Salmo 136(137),1-6

Junto aos rios da Babilônia

1. Nesta primeira quarta-feira do Advento, tempo litúrgico de silêncio, vigilância e oração em preparação do Natal, meditamos no Salmo 136, que se fez famoso na versão latina de seu início, «Super flumina Babylonis». O texto evoca a tragédia vivida pelo povo judeu durante a destruição de Jerusalém, que aconteceu no ano 586 a.C., e o sucessivo exílio na Babilônia. Encontramo-nos ante um canto nacional de dor, caracterizado por uma seca nostalgia do que se perdeu.

Esta sentida invocação ao Senhor para que liberte seus fiéis da escravidão da Babilônia expressa também sentimentos de esperança e de espera na salvação com os que começamos o caminho do Advento.

A primeira parte do Salmo (Cf. versículos 1-4) tem como pano de fundo a terra do exílio, com seus rios e canais que regavam a Babilônia, sede dos judeus deportados. É como uma antecipação simbólica dos campos de extermínio nos quais o povo judeu --no século que acabamos de concluir-- foi conduzido para uma operação infame de morte, que ficou como uma vergonha indelével na história da humanidade.

A segunda parte do Salmo (Cf. versículos 5-6) está cheia da lembrança amorosa de Sião, a cidade perdida, mas que continua estando viva no coração dos deportados.

2. Nas palavras do salmista, ficam envolvidos a mão, a língua, o paladar, a voz, as lágrimas. A mão é indispensável para quem toca a harpa. Mas ficou paralisada (Cf. versículo 5) pela dor, porque também as cítaras foram colocadas nos salgueiros.

O cantor necessita da língua, mas agora se encontra pregada ao paladar (Cf. versículo 6). Os cantos de Sião são cânticos do Senhor (versículos 3-4), não são canções folclóricas e de espetáculo. Só na liturgia e na liberdade de um povo podem subir ao céu.

3. Deus, que é o último árbitro da história, saberá compreender e acolher, segundo sua justiça, o grito das vítimas, para além dos tons ásperos que às vezes adquire.

Queremos encomendar a Santo Agostinho uma ulterior meditação sobre nosso salmo. Nela, o padre da Igreja introduz um elemento surpreendente e de grande atualidade: sabe que também entre os habitantes da Babilônia há pessoas que se comprometem com a paz e com o bem da comunidade, apesar de não compartilharem a fé bíblica, apesar de não conhecerem a esperança da Cidade Eterna à qual nós aspiramos. Eles têm uma chama de desejo do desconhecido, do maior, do transcendente, de uma autêntica redenção. E diz que entre os perseguidores, entre os não-crentes, há pessoas com esta chama, com uma espécie de fé, de esperança, na medida em que lhes é possível nas circunstâncias nas quais vivem. Com esta fé em uma realidade desconhecida, estão realmente em caminho para a autêntica Jerusalém, para Cristo. E com esta abertura de esperança, válida inclusive para os babilônios --como os chama Agostinho--, para quem não conhece a Cristo, e nem sequer a Deus, e que contudo deseja o desconhecido, o eterno, exorta-nos a não fixar-nos só nas coisas materiais do momento presente, mas a perseverar no caminho para Deus. Só com esta esperança maior podemos, de maneira justa, transformar este mundo. Santo Agostinho o diz com estas palavras: Se somos cidadãos de Jerusalém... e temos de viver nesta terra, na confusão do mundo presente, na Babilônia presente, onde não vivemos como cidadãos, mas como somos prisioneiros, é necessário que o que diz o Salmo não só o cantemos, mas que o vivamos: isto se faz com uma aspiração profunda do coração, desejoso plena e religiosamente da cidade eterna».

E fazendo referência à «cidade terrestre chamada Babilônia», acrescenta: nela «há pessoas que, movidas pelo amor a ela, engenham para garantir a paz --paz temporária--, sem nutrir outra esperança no coração que a alegria de trabalhar pela paz. E nós os vemos fazer todo esforço para serem úteis à sociedade terrena. Agora, comprometem-se com consciência pura nestas tarefas, Deus não permitirá que pereçam com a Babilônia, ao tê-los predestinado a ser cidadãos de Jerusalém: com a condição, contudo, de que vivendo na Babilônia não busquem a soberba, a ostentação e a arrogância... Ele vê seu serviço e os mostrará a outra cidade, para a qual têm de suspirar verdadeiramente e orientar todo esforço» («Comentários aos salmos» -- «Esposizioni sui Salmi» 136,1-2: «Nuova Bilbioteca Agostiniana», XXVIII, Roma 1977, pp. 397.399).

E peçamos ao Senhor que em todos nós desperte este desejo, esta abertura para com Deus, e que também os que não conhecem a Cristo possam ficar tocados por seu amor, de maneira que todos juntos peregrinemos para a Cidade definitiva e a luz desta Cidade possa brilhar também em nosso tempo e em nosso mundo.

Quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Salmo 137(138)

Ação de Graças

1. Atribuído pela tradição judaica ao patrocínio de Davi, ainda que provavelmente surgiu em uma época sucessiva, o hino de ação de graças que acabamos de escutar, e que constitui o Salmo 137, começa com um canto pessoal do orante. Eleva sua voz na assembléia do templo ou tendo como ponto de referência o Santuário de Sião, sede da presença do Senhor e de seu encontro com o povo dos fiéis.

De fato, o salmista confessa: «eu me prostrarei voltado para o teu santuário» de Jerusalém (Cf. versículo 2): ali canta ante Deus que está nos céus com sua corte de anjos, mas que também está à escuta no espaço do templo (Cf. versículo 1). O orante está seguro de que o «nome» do Senhor, ou seja, sua realidade pessoal viva e operante, e suas virtudes de fidelidade e misericórdia, sinais da aliança com seu povo, são a base de toda confiança e de toda esperança (cf. versículo 2).

2. O olhar se dirige, então, por um instante, ao passado, ao dia do sofrimento: então a voz divina havia respondido ao grito do fiel angustiado. Havia infundido valentia na alma turbada (Cf. versículo 3). O original hebraico fala literalmente do Senhor que «agita a força na alma» do justo oprimido: é como a irrupção de um vento impetuoso que varre as dúvidas e medos, imprime uma energia vital nova, faz florescer fortaleza e confiança.

Depois desta premissa, aparentemente pessoal, o salmista amplia seu olhar sobre o mundo e imagina que seu testemunho abarca a todo o horizonte: «os reis da terra», com uma espécie de adesão universal, se associam ao orante judeu em um louvor comum em honra da grandeza e da potência soberana do Senhor (Cf. versículos 4-6).

3. O conteúdo deste louvor conjunto que surge de todos os povos permite ver já a futura Igreja dos pagãos, a futura Igreja universal. Este conteúdo tem como primeiro tema a «glória» e os «caminhos do Senhor» (Cf. versículo 5), ou seja, seus projetos de salvação e sua revelação. Deste modo, descobre-se que Deus certamente «é grande» e transcendente, «vê o humilde» com afeto, enquanto aparta seu rosto do soberbo, como sinal de rejeição (cf. versículos 4-6).

Como proclamava Isaías, «assim diz o Excelso e Sublime, o que mora para sempre e cujo nome é santo: “No excelso e sagrado eu moro, e estou também com o humilhado e abatido de espírito, para avivar o espírito dos abatidos, para avivar o ânimo dos humildes”» (Isaías 57, 15). Deus decide, portanto, pôr-se ao lado dos fracos, das vítimas, dos últimos: isto se faz saber a todos os reis para que conheçam quais devem ser suas opções no governo das nações. Naturalmente não só se diz aos reis e a todos os governos, mas a todos nós, pois também nós temos de saber qual é a opção que devemos tomar: colocar-nos do lado dos humildes, dos últimos, dos pobres e fracos.

4. Depois desta referência mundial aos responsáveis das nações, não só daquele tempo, mas de todos os tempos, o orante volta a falar do louvor pessoal (Cf. Salmo 137, 7-8). Com um olhar que se dirige ao futuro de sua vida, implora a ajuda de Deus para as provações que a existência ainda lhe preparará. E todos nós rezamos com o orante daquele tempo.

Fala-se de maneira sintética da «ira dos inimigos» (versículo 7), uma espécie de símbolo de todas as hostilidades que o justo pode ter de enfrentar durante seu caminho na história. Mas ele sabe, e também sabemos nós, que o Senhor não o abandonará nunca e lhe oferecerá sua mão para socorrê-lo e guiá-lo. O final do Salmo é, portanto, uma apaixonada profissão de confiança no Deus da bondade sempiterna: não abandonará a obra de suas mãos, ou seja, a sua criatura (versículo 8). E nesta confiança, nesta certeza na confiança de Deus, também temos de viver nós.

Temos de estar seguros de que, por mais pesadas e tempestuosas que sejam as provações que nos esperam, não ficaremos abandonados à nossa sorte, não cairemos nunca das mãos do Senhor, as mãos que nos criaram e que agora nos acompanham no caminho da vida. Como confessará São Paulo: «quem iniciou em vós a boa obra há de levá-la à perfeição» (Filipenses 1,6).

5. Deste modo, pudemos rezar com um Salmo de louvor, de ação de graças e de confiança. Queremos prosseguir neste caminho com o testemunho de um cantor cristão, o grande Efrén o Siro (século IV), autor de textos de extraordinária fragrância poética e espiritual.

«Por maior que seja nossa maravilha por ti, Senhor, tua glória supera o que nossos lábios podem expressar», canta Efrén em um hino («Hinos sobre a virgindade», «Inni sulla Verginità», 7: «L’arpa dello Spirito», Roma 1999, p. 66), e em outro diz: «Louvado sejas tu, para quem tudo é fácil, pois és onipotente» («Hinos sobre o Natal» --«Inni sulla Natività»--, 11: ibidem, p. 48), este é um último motivo para nossa confiança: Deus tem a força da misericórdia e usa sua potência para a misericórdia. E, finalmente, uma última citação: «Que te louve quem compreende tua verdade» («Hinos sobre a fé», «Inni sulla Fede», 14: ibidem, p. 27).

Quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Ap 4,11; 5,9.10.12

Hino dos reunidos

[Ver comentários das vésperas da segunda-feira, I, II e III semanas]