IV DOMINGO DO ADVENTO - ANO A
Estamos às portas do Santo Natal; desde o dia 17, a liturgia nos faz
celebrar e contemplar de modo intenso a Vinda do Senhor na nossa carne
mortal, nascido de Maria, a Virgem. Eis, pois, o que vamos contemplar
nos ritos, palavras e gestos da sagrada liturgia: o Verbo eterno do Pai,
o Filho imenso, infinito, existente antes dos séculos, fez-Se homem,
fez-Se criatura, fez-Se pequeno e veio habitar entre nós! Sua Vinda ao
mundo salvou o mundo, elevou toda a natureza, toda a criação.
Mas, atenção: a Palavra de Deus hoje nos diz que este acontecimento
imenso, fundamental para a humanidade e para toda a criação, passou pela
vida simples e humilde de um jovem carpinteiro e de uma pobre menina
moça prometida em casamento numa aldeia perdida das montanhas da
Galileia. O Deus infinito dobrou-Se, inclinou-Se amorosamente sobre a
pequena e pobre realidade humana para aí fazer irromper o Seu plano de
amor.
Acompanhemos, pois, piedosamente o Evangelho deste Quarto Domingo do Advento.
São Mateus diz que a Mãe de Jesus “estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo”.
As palavras usadas pelo Evangelista são simples, mas escondem uma
realidade imensa, misteriosa, inaudita. Pensemos em José e Maria. Eles
certamente se amavam; como todo casal piedoso daquela época pensavam em
ter filhos – os filhos eram considerados uma bênção de Deus – e ainda
hoje são uma bênção para quem os recebem com fé e generosidade. Mas, eis
que antes de viverem juntos, a Virgem acha-se grávida por obra do
Espírito Santo! Deus entra silenciosamente na vida daquele casal... Nós
sabemos, pelo Evangelho de São Lucas, que Maria disse “sim”, que Maria
acreditou, que Maria deixou que Deus fosse Deus em sua vida: “Eu sou a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38) De repente, eis que uma vida de família, que tinha tudo para ser pacata e serena, viu-se agitada por uma tempestade.
Por um lado, a Virgem diz “sim” a Deus e, sem saber o que explicar ou
como explicar ao noivo, cala-se, abandonando-se confiantemente nas mãos
do Senhor. Por outro lado, José sabe que o aquele filho não é seu; não
compreende o que possa ter ocorrido com sua prometida, não imagina que
Maria poderia ter-lhe sido infiel... Por isso, não ousa difamar a noiva.
Resolve deixá-la secretamente, permitindo que ela mesma desse à sua
gente de Nazaré a explicação e justificativa que desejasse...
Quanta dor, quanta dúvida, quanto silêncio: silêncio de Maria, que não
tem o que dizer nem como explicar; silêncio de José que, na dor, não
sabe o que perguntar à noiva; silêncio de Deus que, pacientemente, vai
tecendo a Sua história de salvação na nossa pobre e, por vezes, confusa,
história humana. E, então, como fizera antes com a Virgem, Deus agora
dirige Sua palavra a José: “José, filho de Davi, não tenhas medo de
receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito
Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois
Ele vai salvar o Seu povo de seus pecados”.
Atenção aos detalhes! O Anjo chama José de “filho de Davi”. É pelo
humilde carpinteiro que Jesus será descendente de Davi. Se José dissesse
“não”, Jesus não poderia ser o Messias, Filho de Davi! Note-se que é
José quem deve dar o nome ao Menino, reconhecendo-o como seu filho.
Note-se ainda o nome do Menino: Jesus, isto é, “o Senhor salva”! Deus,
humildemente, revela Seu plano a José e, depois de pedir o “sim” de
Maria, suplica e espera o “sim” de José. E, como Maria, José crê, José
se abre para Deus em sua vida, José mostra-se disposto a abandonar seus
planos para abraçar os de Deus, José aceita ser servo do Mistério, José
diz “sim”: “Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia
mandado, e aceitou sua esposa!”
Eis! Adeus, para aquele casal, o sonho de uma vida tranquila! Adeus
filhos nascidos da união dos dois! Agora, iriam viver somente para
aquele Presente que o Senhor lhes havia dado, para a missão que lhes
tinha confiado... Irmãos, o plano de Deus passou pela vida humilde
daquele casal! Para que São Paulo pudesse dizer hoje na Epístola aos
Romanos que é “apóstolo por vocação, escolhido para o Evangelho... que diz respeito ao Filho de Deus, descendente de Davi segundo a carne”,
foi necessária a coragem generosa da Virgem Maria e o sim pobre e cheio
de solicitude do justo José. Para que a profecia de Isaías, que ouvimos
na primeira leitura, fosse concretizada, foi necessário que aquele
casal enxergasse Deus e Seu plano de amor nas vicissitudes de sua vida
humilde e pobre!
Também conosco é assim! O Senhor está presente no mundo. Aquele que veio
pela Sua bendita Encarnação, nunca mais nos deixou. Na potência do Seu
Espírito Santo, Ele se nos faz presente nos irmãos, nos acontecimentos,
na Sua Palavra e, sobretudo nos sacramentos. Sabemos reconhecê-Lo?
Abrimo-nos aos Seus apelos? E na nossa vida, essa vida miúda, como a de
José e Maria, será que reconhecemos que ela é cheia da presença e dos
apelos do Senhor? No Advento, a Igreja não se cansa de repetir o apelo
de Isaías profeta: “Céus, deixai cair o orvalho; nuvens, chovei o Justo; abra-se a terra e brote a Salvador!”
(Is 45,8). É interessante este apelo: a salvação choverá do Céu, vem de
Deus, é dom, é graça, mas, por outro lado, brota da terra, da terra
deste mundo ferido e cansado, da terra da nossa vida, com suas lutas,
desafios, vitórias, derrotas, alegrias e tristezas, luzes e sombras...
Supliquemos à Virgem Maria e a São José que intercedam por nós, para que
sejamos atentos em reconhecer o Senhor nas estradas de nossa existência
e generosos em corresponder aos Seus apelos, como o sagrado casal de
Nazaré. Assim fazendo e assim vivendo, experimentaremos aquilo que o
Carpinteiro e sua santa Esposa experimentaram: a presença de Jesus nas
humildes vivências e rotinas da miúda vida cotidiana.
Dom Henrique Soares da Costa