Este salmo já foi comentado para as II Vésperas da primeira e da segunda semana.
Queridos irmãos e irmãs:
1. Hoje sentimos um forte vento. O vento na Sagrada Escritura é símbolo do Espírito Santo. Esperamos que o Espírito Santo ilumine-nos agora na meditação do Salmo 110 que acabamos de escutar. Neste Salmo, encontra-se um hino de louvor e de ação de graças ao Senhor por seus muitos benefícios que fazem referência a seus atributos e a sua obra de salvação: fala-se de piedade, de clemência, de justiça, de força, de retidão, de fidelidade, de aliança, de maravilhas memoráveis, inclusive do alimento que oferece e, ao final, de seu nome glorioso, ou seja, de sua pessoa. A oração é, portanto, contemplativa do mistério de Deus e das maravilhas que realiza na história da salvação.
2. O Salmo começa com o verbo de ação de graças que se eleva não só do coração do orante, mas também de toda a assembléia litúrgica (Cf. versículo 1). O objeto desta oração, que compreende também o rito de ação de graças, expressa-se com a palavra «obras» (Cf. versículos 2.3.6.7). Indicam as intervenções do Senhor, manifestação de sua «justiça» (Cf. versículo 3), termo que na linguagem bíblica indica antes de tudo o amor que gera salvação.
Portanto, o coração do Salmo transforma-se em um hino ao louvor (Cf. versículo 4-9), a esse laço que une Deus com seu povo e que compreende uma série de atitudes e de gestos. Deste modo, diz que é «piedoso e clemente» (Cf. v. 4), seguindo a estrela da grande proclamação do Sinai: «Senhor, Senhor, Deus misericordioso e clemente, manso na cólera e rico em amor e fidelidade».
3. Este laço de amor compreende o dom fundamental do alimento e, portanto, da vida (Cf. Salmo 110, 5) que, na interpretação cristã, identificar-se-á com a Eucaristia, como diz São Jerônimo: «Como alimento nos deu o pão descido do céu: se somos dignos, alimentemo-nos!» («Breviarium in Psalmos», 110: PLXXVI, 1238-1239). Logo está o dom da terra, «a herança dos gentis» (Salmo 110, 6), que faz alusão ao grande acontecimento do Êxodo, quando o Senhor se revela como o Deus da libertação. A síntese central deste canto há que buscá-la, portanto, no tema do pacto especial entre o Senhor e seu povo, como afirma o versículo 9: «ratificou para sempre sua aliança».
4. O Salmo 110 fica selado ao final pela contemplação do rosto divino, da pessoa do Senhor, expressada através de seu «nome» santo e transcendente. Citando depois um dito sapiencial (Cf. Provérbios 1, 7; 9, 10; 15, 33), o salmista convida todo fiel a cultivar o «temor do Senhor» (Salmo 110, 10), início da autêntica sabedoria. Sob este termo não se esconde o medo e o terror, mas o respeito sério e sincero, que é fruto do amor, da adesão genuína e operante ao Deus libertador. E, se a primeira palavra do canto era a de ação de graças, a última é de louvor: como a justiça salvífica do Senhor «dura para sempre» (versículos 3), deste modo a gratidão do orante não cessa, ressoa na oração que «dura para sempre» (versículo 10). Resumindo, o Senhor nos convida ao final a descobrir todo o bem que o Senhor nos dá cada dia. Nós vemos mais facilmente os aspectos negativos de nossa vida. O Salmo nos convida a ver também o positivo, os muitos dons que recebemos, e assim encontrar a gratidão, pois só um coração agradecido pode celebrar dignamente a liturgia da ação de graças, a Eucaristia.
5. Ao concluir nossa reflexão, queremos meditar com a tradição eclesial dos primeiros séculos cristãos no versículo final com sua famosa declaração em outras passagens da Bíblia (Cf. Provérbios 1,7): «O princípio da sabedoria é o temor do Senhor» (Salmo 110, 10).
O escritor cristão Barsanufio de Gaza (ativo na primeira metade do século VI), comenta-o assim: «Acaso o princípio de sabedoria não é abster-se de tudo aquilo que desagrada a Deus? E como pode abster-se se não é evitando fazer algo sem ter pedido conselho, ou não dizendo o que não há que dizer, ou considerando-se a si mesmo louco, tonto, desprezível e que não vale nada?» («Epistolário», 234: «Collana di testi patristici», XCIII, Roma 1991, pp. 265-266).
João Cassiano, que viveu entre os séculos IV e V, preferia precisar, contudo, que «há muita diferença entre o amor, ao que não falta nada e é o tesouro da sabedoria e da ciência, e o amor imperfeito, denominado “início da sabedoria”, este, ao ter em conta a idéia do castigo, fica excluído do coração dos perfeitos para alcançar a plenitude do amor» («Conferências aos monges» --«Conferenze ai monaci»-- 2, 11, 13: «Collana di testi patristici», CLVI, Roma 2000, p. 29). Deste modo, no caminho de nossa vida para Cristo, ao temor servil que se dá ao início lhe substitui um temor perfeito, que é amor, dom do Espírito Santo.
Quarta-feira, 8 de junho de 2005