Queridos irmãos e irmãs:
Antes de
introduzirmos em uma breve interpretação do Salmo que se
acaba de cantar, quero
recordar que hoje é o aniversário de nosso querido Papa
João Paulo II. Teria
completado 85 anos e estamos seguros de que desde o Alto vê-nos e
está conosco.
Nesta ocasião, queremos dar profundamente graças ao
Senhor pelo dom deste Papa
e queremos dizer obrigado ao mesmo Papa por tudo o que fez e sofreu.
1. Ressoou em sua simplicidade e beleza o Salmo 112, autêntica
porta de entrada
a uma pequena coleção de Salmos que vai de 112 a 117,
convencionalmente chamada
o «Halel egípcio». É o aleluia, ou seja, o
canto de louvor, que exalta a
libertação da escravidão do faraó e a
alegria de Israel em seu serviço ao
Senhor na terra prometida (Cf. Salmo 113).
Não é casualidade que a tradição judaica enlaçasse esta série de salmos com a liturgia pascal. A celebração daquele acontecimento, segundo suas dimensões histórico-sociais e sobretudo espirituais, era vista como um sinal da libertação do mal na multiplicidade de suas manifestações. O Salmo 112 é um breve hino, que o original hebreu consta só de cerca de sessenta palavras, cheias de sentimentos de confiança, de louvor, de alegria.
2. A primeira estrofe (Cf. Salmo 112, 1-3)
exalta «o nome
do Senhor» (Iahweh) que, como se sabe, na linguagem
bíblica indica a mesma
pessoa de Deus, sua presença viva e operante na história
humana.
Em três ocasiões, com insistência apaixonada, ressoa
«o nome do Senhor» no
centro desta oração de adoração. Todo ser e
todo o tempo, «da saída do sol até
seu ocaso», diz o salmista (versículo 3), une-se em uma
única ação de graças. É
como se uma respiração incessante se elevasse desde a
terra para o céu para
exaltar o Senhor, Criador do cosmos e Rei da história.
3. Precisamente através deste movimento para o alto, o Salmo nos conduz ao mistério divino. A segunda parte (Cf. versículos 4-6) celebra a transcendência do Senhor, descrita com imagens verticais que superam o simples horizonte humano. Proclama-se: o Senhor «se eleva sobre todos os povos», «eleva-se em seu trono» e ninguém pode estar a seu nível; inclusive para ver os céus «se abaixa», pois «sua glória está sobre os céus» (versículo 4).
O olhar divino dirige-se a toda a realidade, aos seres terrestres e aos celestiais. Contudo, seus olhos não são altaneiros ou distantes, como os de um frio imperador. O Senhor, diz o salmista, «abaixa-se para olhar» (versículo 6).
4. Deste modo, passamos ao último movimento do Salmo (Cf. Versículos 7-9), que muda a atenção para dirigi-la das alturas celestes a nosso horizonte terreno. O Senhor se abaixa com solicitude para nossa pequenez e indigência, que nos levaria a retrair-nos com temor. Assinala diretamente com seu olhar amoroso e com seu compromisso eficaz os últimos e miseráveis do mundo: «Levanta do pó o desvalido, eleva do lixo o pobre» (v. 7).
Deus se inclina, portanto, ante os necessitados e os que sofrem para consolá-los. E esta expressão encontra seu significado último, seu máximo realismo no momento no qual Deus se inclina até o ponto de encarnar-se, de fazer-se como um de nós, como um dos pobres do mundo. Ao pobre confere a honra maior, o de «sentá-lo com os príncipes»; entre «os príncipes de seu povo» (versículo 8). À mulher só e estéril, humilhada pela antiga sociedade como se fosse um ramo seco e inútil, Deus dá a honra e a grande alegria de ter muitos filhos (Cf. versículo 9). Portanto, o salmista louva um Deus sumamente diferente de nós em sua grandeza, mas, ao mesmo tempo, muito próximo a suas criaturas que sofrem.
É fácil intuir nestes versículos finais do Salmo 112 a prefiguração das palavras de Maria no «Magnificat», o cântico das decisões de Deus que «pôs os olhos na humildade de sua escrava». Com mais radicalidade que nosso Salmo, Maria proclama que Deus «derrubas as potestades de seus tronos e exalta os humildes» (Cf. Lucas 1, 48.52; Cf. Salmo 112, 6-8).
5. Um «Hino vespertino» sumamente antigo, conservado nas assim chamadas «Constituições dos Apóstolos» (VII, 48), retoma e desenvolve o início gozoso de nosso Salmo. Recordamo-lo ao terminar nossa reflexão para oferecer a releitura «cristã» que a comunidade dos inícios fazia dos salmos:
«Louvai,
crianças,
o
Senhor,
louvai o nome do Senhor.
Louvamos-te, cantamos-te, bendizemos-te
Por tua imensa glória.
Senhor rei, Pai do Céu, cordeiro imaculado,
que tira o pecado do mundo.
A ti corresponde o louvor, o hino, a glória,
a Deus Pai através do Filho no Espírito Santo
pelos séculos dos séculos.
Amém» (S. Pricoco – M. Simonetti, «A
oração dos cristãos» -- «La preghiera
dei
cristiani», Milão 2000, p. 97).
Quarta-feira, 18 de maio de 2005
1. O Salmo 115, com o qual acabamos de rezar, sempre foi utilizado pela tradição cristã, a partir de São Paulo, que, citando a introdução, seguindo a tradução grega dos Setenta, escreve aos cristãos de Corinto estas palavras: «tendo aquele espírito de fé conforme ao que está escrito: “Acreditei, por isso falei”, também nós cremos, e por isso falamos» (2 Coríntios 4, 13).
O apóstolo sente-se em acordo espiritual com o salmista na serena confiança e no sincero testemunho, apesar dos sofrimentos e das debilidades humanas. Ao escrever aos romanos, Paulo retomará o versículo 2 do salmo e traçará a contraposição entre a fidelidade de Deus e a incoerência do homem: «Que fique claro que Deus é veraz e todo homem mentiroso» (Romanos 3, 4).
A tradição sucessiva transformará este canto em uma celebração do martírio (cf. Orígenes, «Esortazione ao martirio», 18: «Testi di Spiritualità», Milano 1985, pp. 127-129) por causa da menção da «morte de seus fiéis» (Cf. Salmo 115, 15). Fará dele um texto eucarístico, considerando a referência ao «cálice da salvação» que o salmista eleva invocando o nome do Senhor (Cf. versículo 13). Este cálice é identificado pela tradição cristã com «o cálice da benção» (Cf. 1 Coríntios 10, 16), com o «cálice da Nova Aliança» (cf. 1 Coríntios 11, 25; Lucas 22, 20): expressões que no Novo Testamento fazem referência precisamente à Eucaristia.
2. O Salmo 115, no original hebraica, faz parte de uma só composição junto ao salmo precedente, o 114. Ambos constituem uma ação de graça unitária dirigida ao Senhor que liberta do pesadelo da morte.
Em nosso texto, aparece a memória de um passado angustiante: o orador manteve alta a chama da fé, inclusive quando em seus lábios surgia a amargura do desespero e da infelicidade (Cf. Salmo 115, 10). Ao redor, elevava-se uma cortina de ódio e de engano, pois o próximo se demonstrava falso e infiel (Cf. versículo 11). Agora, contudo, a súplica se transforma em gratidão, pois o Senhor tirou seu fiel do turbilhão escuro da mentira (Cf. versículo 12).
O orador se dispõe, portanto, a oferecer um sacrifício de ação de graças no qual se beberá do cálice ritual, o cálice da libação sagrada que é sinal de reconhecimento pela libertação (Cf. versículo 13). A Liturgia é a sede privilegiada na qual se pode elevar o louvor ao Deus Salvador.
3. De fato, além de mencionar-se o rito do sacrifício, faz-se referência explicitamente à assembléia de «todo o povo», ante a qual o orador cumpre seu voto e testemunha sua fé (Cf. versículo 14). Nesta circunstância, fará pública sua ação de graças, consciente de que inclusive quando se aproxima a morte, o Senhor se inclina sobre ele com amor. Deus não é indiferente ao drama de sua criatura, mas rompe seus grilhões (Cf. versículo 16).
O orador, salvo da morte, sente-se «servo» do Senhor, filho de sua escrava (ibidem), bela expressão oriental com a qual se indica que se nasceu na mesma casa do dono. O salmista professa humildemente com alegria sua pertença à casa de Deus, à família das criaturas unidas a ele no amor e na fidelidade.
4. Com as palavras do orador, o salmo conclui evocando novamente o rito de ação de graças que será celebrado no contexto do templo (Cf. versículo 17-19). Sua oração se situará no âmbito comunitário. Sua vicissitude pessoal é narrada para que sirva de estímulo para todos a crer e a amar o Senhor. No fundo, portanto, podemos vislumbrar todo o povo de Deus, enquanto dá graças ao Senhor da vida, que não abandona o justo no ventre escuro da dor e da morte, mas o guia à esperança e à vida.
5. Concluímos nossa reflexão encomendando-nos às palavras de São Basílio Magno que, na Homilia sobre o Salmo 115, comenta a pergunta e a resposta deste Salmo com estas palavras: «“Como pagarei ao Senhor todo o bem que me fez? Levantarei o cálice da salvação”. O salmista compreendeu os muitos dons recebidos de Deus: do não ser foi levado ao ser, foi tirado da terra e recebeu a razão..., percebeu depois a economia da salvação a favor do gênero humano, reconhecendo que o Senhor se entregou a si mesmo como redenção em lugar nosso; e busca entre todas as coisas que lhe pertencem qual é o dom que pode ser digno do Senhor. Que oferecerei, portanto, ao Senhor? Não quero sacrifícios nem holocaustos, mas toda minha vida. Por isso, diz: “Levantarei o cálice da salvação”, chamando cálice os sofrimentos no combate espiritual, a resistência ante o pecado até a morte. É o que nos ensinou, por outro lado, nosso salvador no Evangelho: “Pai, se é possível, afasta de mim este cálice”; ou quando disse aos discípulos: “podeis beber o cálice que eu hei de beber?”, referindo-se claramente à morte que aceitava pela salvação do mundo» (PG XXX, 109).
Quarta-feira, 25 de maio de 2005
1. Em toda celebração dominical das Vésperas, a liturgia nos propõe o breve mas denso hino cristológico da Carta aos Filipenses (Cf. 2, 6-11). É o hino recém-escutado, que consideramos em sua primeira parte (Cf. versículos 6-8), na qual se delineia o paradoxal «despojo» do Verbo divino, que deixa a glória divina e assume a condição humana.
Cristo, encarnado e humilhado na morte mais infame, a da crucifixão, é proposto como um modelo de vida para o cristão. Este, como se afirma no contexto, deve ter «os mesmos sentimentos que Cristo» (versículo 5), sentimentos de humildade, de entrega, de desapego e de generosidade.
2. Certamente ele possui a natureza divina com todas suas prerrogativas. Mas esta realidade transcendente ele não a interpreta ou vive em chave de poder, de grandeza, de domínio. Cristo não utiliza seu ser igual a Deus, sua dignidade gloriosa e sua potência como instrumento de triunfo, sinal de distância, expressão de marcante supremacia (Cf. versículo 6). Pelo contrário, «despojou-se», esvaziou a si mesmo, submergindo-se sem reservas na mísera e frágil condição humana. A «forma» («morphe») divina se esconde em Cristo sob a «forma» («morphe») humana, ou seja, sob nossa realidade marcada pelo sofrimento, a pobreza, a limitação e a morte (Cf. versículo 7).
Não se trata, portanto, de um simples revestimento, de uma aparência que muda, como se cria que sucedia com as divindades da cultura greco-romana: é a realidade divina de Cristo em uma experiência autenticamente humana. Deus não se apresenta só como homem, mas se faz homem e se converte realmente em um de nós, converte-se realmente em «Deus-conosco», não se contenta em olhar-nos com um olhar benigno desde o trono de sua glória, mas entra pessoalmente na história humana, convertendo-se em «carne», ou seja, em realidade frágil, condicionada pelo tempo e o espaço (Cf. João 1, 4).
3. O fato de compartilhar verdadeira e radicalmente a condição humana, com exceção do pecado (Cf. Hebreus 4, 15), leva Jesus a essa fronteira que é o sinal de nossa finitude e caducidade, a morte. Agora, não acontece como fruto de um mecanismo escuro ou de uma cega fatalidade: nasce de sua livre eleição de obediência ao desígnio de salvação do Pai (Cf. Filipenses 2, 8).
O apóstolo acrescenta que a morte que Jesus enfrenta é a da cruz, ou seja, a mais degradante, querendo deste modo ser realmente irmão de todo homem e mulher, inclusive daqueles que são obrigados a um final atroz e ignominioso.
Mas precisamente na paixão e morte, Cristo testemunha sua adesão livre e consciente à vontade do Pai, como se lê na Carta aos Hebreus: «ainda sendo Filho, com o que padeceu experimentou a obediência» (Hebreus 5, 8).
Detenhamos aqui nossa reflexão sobre a primeira parte do hino cristológico, concentrado na encarnação e na paixão redentora. Teremos a ocasião mais adiante de aprofundar no itinerário sucessivo, o pascal, que leva da cruz à glória. O elemento fundamental desta primeira parte do hino me parece ser o convite a penetrar nos sentimentos de Jesus. Penetrar nos sentimentos de Jesus quer dizer não considerar o poder, a riqueza, o prestígio como os valores supremos de nossa vida, pois no fundo não respondem à sede mais profunda de nosso espírito, senão abrir nosso coração ao outro, levar com o outro o peso de nossa vida e abrir-nos ao Pai dos Céus com sentido de obediência e confiança, sabendo que precisamente se somos obedientes ao Pai, seremos livres. Penetrar nos sentimentos de Jesus: este deveria ser o exercício cotidiano da vida como cristãos.
4. Concluamos nossa reflexão como um grande testemunho da tradição oriental, Teodoreto, bispo de Ciro, na Síria, no século V: «A encarnação de nosso Salvador representa o cumprimento mais elevado da solicitude divina pelos homens. De fato, nem o céu, nem a terra, nem o mar, nem o ar, nem o sol, nem a lua, nem os astros, nem todo o universo visível e invisível, criado unicamente com sua palavra ou mais trazido à luz por sua palavra, segundo sua vontade, indicam sua incomensurável bondade como o fato de que o Filho unigênito de Deus, o que subsistia na natureza de Deus (Cf. Filipenses 2, 6), resplendor de sua glória, expressão de seu ser (Cf. Hebreus 1, 3), que existia no princípio, que estava com Deus e que era Deus, pelo qual tudo se fez (Cf. João 1, 1-3), após ter assumido a natureza de servo, apareceu em forma de homem, por sua figura humana foi considerado como um homem, foi visto na terra, manteve relação com os homens, carregou nossos sofrimentos e enfermidades» («Discursos sobre a providência divina» - «Discorsi sulla provvidenza divina», 10: «Collana di testi patristici» LXXV, Roma 1988, pp. 250-251).
Teodoreto de Ciro continua sua reflexão sublinhando precisamente a íntima relação afirmada pelo hino da Carta aos Filipenses entre a encarnação de Jesus e a redenção dos homens. «O Criador com sabedoria e justiça atuou por nossa salvação. Dado que não quis servir-se só de sua potência para oferecer-nos o dom da liberdade, nem utilizar só a misericórdia de injustiça, concebeu um caminho cheio de amor para os homens e ao mesmo tempo de justiça. De fato, depois de ter assumido a natureza vencida do homem, leva-a à luta e a dispõe a reparar a derrota, a dispersar aquele que anteriormente havia conseguido a vitória, a libertar-se da tirania de quem havia imposto a escravidão e a recuperar a primitiva liberdade» (ibidem, páginas 251-252).