Irmãos e irmãs:
1. Neste nosso encontro, que tem lugar depois das minhas férias passadas no Vale de Aosta, retomamos o itinerário que estamos a percorrer no interior da Liturgia das Vésperas. Agora, entra em cena o Salmo 124, que faz parte daquela intensa e sugestiva coletânea, chamada "Cânticos das ascensões", livrinho de orações ideal para a peregrinação a Sião, em vista do encontro com o Senhor no templo (cf. Sl 119-133).
Aquele sobre o qual agora nós meditaremos brevemente é um texto sapiencial, que suscita a confiança no Senhor e contém uma breve oração (cf. Sl 124, 4). A primeira frase proclama a estabilidade dos "que confiam no Senhor", comparando-a com a estabilidade "rochosa" e segura do "monte Sião" que, evidentemente, é devida à presença de Deus que, como afirma outro Salmo, é "rocha, fortaleza, refúgio, abrigo, escudo, baluarte e poderosa salvação" (cf. Sl 17, 3). Mesmo quando o fiel se sente isolado e rodeado de perigos e de hostilidades, a sua fé deve ser tranquila, porque o Senhor está sempre conosco. A sua força circunda-nos e protege-nos.
Também o profeta Isaías confirma que ouviu da boca de Deus estas palavras, destinadas aos fiéis: "Vou colocar em Sião uma pedra que vos ponha à prova. Será uma pedra preciosa, angular, bem firme. Aquele que nela confiar, não tropeçará" (28, 16).
2. Contudo, continua o Salmista, a confiança que é a atmosfera da fé do fiel dispõe de um ulterior sustentáculo: o Senhor como que acampou em defesa do seu povo, precisamente como os montes rodeiam Jerusalém, tornando-a uma cidade fortificada por bastiões naturais (cf. Sl 124, 2). Numa profecia de Zacarias, Deus diz de Jerusalém: "Mas Eu serei para ela... como um muro de fogo à sua volta e serei no meio dela a sua glória" (2, 9).
Nesta atmosfera de confiança radical, o Salmista tranquiliza "os justos", os fiéis. A sua situação pode ser, por si mesma, preocupante por causa da prepotência dos ímpios, que desejam impor o seu domínio. Haveria também a tentação, para os justos, de se tornar cúmplices do mal para evitar graves inconvenientes, mas o Senhor protege-os da opressão: "Não durará muito o domínio dos maus sobre a terra dos justos" (Sl 124, 3); ao mesmo tempo, Ele preserva-os da tentação, para que "não estendam a sua mão à maldade" (Ibidem).
Portanto, o Salmo infunde na alma uma profunda confiança. Ajuda poderosamente a enfrentar as situações difíceis, quando à crise externa do isolamento, da ironia e do desprezo em relação aos fiéis, se associa a crise interna, feita de desencorajamento, de mediocridade e de cansaço. Conhecemos esta situação, mas o Salmo diz-nos que se tivermos confiança seremos mais fortes do que estes males.
3. O final do Salmo contém uma invocação dirigida ao Senhor, a favor dos "bons" e dos "retos de coração" (cf. v. 4) e um anúncio de desventura contra "aqueles que se desviam por caminhos tortuosos" (v. 5). Por um lado, o Salmista pede que o Senhor se manifeste como um Pai amoroso para com os justos e os fiéis que conservam alta a chama da retidão de vida e da boa consciência. Por outro, espera-se que Ele se revele como juiz justo diante daqueles que se desviaram pelos caminhos tortuosos do mal, cujo resultado conclusivo é a morte.
O Salmo termina com a tradicional saudação de shalom, de "paz a Israel", uma saudação ritmada por assonância a Jerushalajim, a Jerusalém (cf. v. 2), a cidade símbolo de paz e de santidade. É uma saudação que se torna um voto de esperança. Nós podemos torná-la explícita através das palavras de São Paulo: "Paz e misericórdia para quantos seguirem esta regra, bem como para todo o Israel de Deus" (Gl 6, 16).
4. No seu comentário a este Salmo, Santo Agostinho contrapõe "aqueles que se desviam por caminhos tortuosos" "àqueles que são retos de coração e não se afastam de Deus". Se os primeiros forem associados "à sorte dos maus", qual será a sorte dos "retos de coração"? Na esperança de se tornar ele mesmo, juntamente com os seus ouvintes, partícipe da sorte ditosa destes últimos, o Bispo de Hipona interroga-se: "O que possuiremos? Qual será a nossa herança? Qual será a nossa pátria? Qual é o seu nome?". E ele mesmo responde, indicando o seu nome faço minhas estas palavras: "Paz. Saudamos-vos com o voto da paz; anunciamos-vos a paz; os montes recebem a paz, enquanto a justiça se estende sobre as colinas (cf. Sl 71, 3). Pois bem, a nossa paz é Cristo: "Com efeito, Ele é a nossa paz" (Ef 2, 14)" (Exposições sobre os Salmos, IV, Nuova Biblioteca Agostiniana, XXVIII, Roma 1977, pág. 105).
Santo Agostinho conclui com uma exortação que é, ao mesmo tempo, também bons votos: "Nós somos o Israel de Deus e abraçamos a paz, porque Jerusalém significa visão de paz e nós somos Israel: aquele Israel sobre o qual paira a paz" (Ibid., pág. 107), e a paz é Cristo.
Quarta-feira, 3 de agosto de 2005
1. Ouvimos somente poucas palavras, cerca de trinta, no original hebraico do Salmo 130. Contudo, são palavras intensas que desenvolvem um tema precioso para toda a literatura religiosa: a infância espiritual. O pensamento corre rápida e espontaneamente até Santa Teresa de Lisieux, ao seu "pequeno caminho", ao seu "permanecer pequena" para "estar nos braços de Jesus" (cf. Manuscrito "C", 2rº-3vº: Obras Completas, Cidade do Vaticano 1997, pp. 235-236).
Com efeito, no centro do Salmo sobressai a imagem de uma mãe com o menino, sinal do amor terno e materno de Deus, como já se tinha expresso o profeta Oséias: "Quando Israel ainda era menino, Eu amei-o... Segurava-os com laços humanos, com laços de amor, fui para eles como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto; inclinei-me sobre ele para lhe dar de comer" (11, 1.4).
2. O Salmo começa com a descrição da atitude antitética em relação ao comportamento da infância, que está consciente da sua própria fragilidade, mas tem confiança na ajuda dos outros. Todavia, no Salmo entram em cena o orgulho do coração, a soberba do olhar, as "coisas grandiosas e superiores" (cf. Sl 130, 1). É a representação da pessoa soberba, descrita mediante vocábulos hebraicos que indicam a "altivez" e a "exaltação", a atitude arrogante daquele que olha os outros com um sentido de superioridade, considerando-os inferiores a si mesmo. A grande tentação do indivíduo soberbo, que deseja ser como Deus, juiz do bem e do mal (cf. Gn 3, 5), é decididamente rejeitada pelo orante, que opta pela confiança humilde e espontânea do único Senhor.
3. Assim, passa-se à imagem inesquecível do menino e da mãe. O texto original hebraico não fala de um recém-nascido, mas sim de uma "criança saciada" (Sl 130, 2). Pois bem, sabe-se que no antigo Oriente Próximo a desmama oficial se situava aproximativamente nos três anos de idade e era celebrada com uma festa (cf. Gn 21, 8; 1 Sm 1, 20-23; 2 Mac 7, 27). O menino, ao qual o Salmista remete, está ligado à mãe por um relacionamento que já é pessoal e íntimo, portanto não pelo mero contato físico e pela necessidade de alimentação. Trata-se de um vínculo mais consciente, embora sempre imediato e espontâneo. Esta é a parábola ideal da verdadeira "infância" do espírito, que se abandona a Deus não de maneira cega e automática, mas tranquila e responsável.
4. Nesta altura, a profissão de confiança no orante alarga-se a toda a comunidade: "Israel, espera no Senhor, desde agora e para sempre!" (Sl 130, 3). Ora, a esperança brota em todo o povo, que recebe de Deus a segurança, a vida e a paz, estendendo-se do presente ao futuro, "desde agora e para sempre!".
É fácil continuar a oração, fazendo ecoar outras vozes do Saltério, inspiradas na mesma confiança em Deus: "Pertenço-te desde o ventre materno; desde o seio de minha mãe, Tu és o meu Deus" (Sl 21, 11). "Ainda que meu pai e minha mãe me abandonem, o Senhor há-de de acolher-me" (Sl 26, 10). "Tu és a minha esperança, ó Senhor Deus, e a minha confiança desde a juventude. Em ti me apoio desde o seio materno, desde o ventre materno és o meu sustentáculo" (Sl 70, 5-6).
5. À confiança humilde, como se pôde ver, opõe-se a altivez. Um escritor cristão dos séculos IV-V, João Cassiano, admoesta os fiéis sobre a gravidade deste vício, que "destrói todas as virtudes no seu conjunto e não atinge apenas os medíocres e os fracos, mas principalmente aqueles que se colocaram no ápice com o uso das suas próprias forças". Depois, ele continua: "Este é o motivo pelo qual o bem-aventurado Davi salvaguarda o seu coração com tanta circunspecção, a ponto de ousar proclamar, diante daquele a Quem decerto não passavam despercebidos os segredos da sua consciência: "Senhor, o meu coração não se orgulha e o meu olhar não se exalta com altivez; não vou à procura de coisas grandiosas, superiores às minhas forças"... Todavia, bem sabendo que esta salvaguarda é difícil também para os perfeitos, ele não tem a presunção de se alicerçar unicamente nas suas capacidades, mas suplica o Senhor com orações, a fim de que o ajude a esquivar-se das flechas do inimigo e a não ser ferido pelas mesmas: "Não permitas que me pisem os pés dos orgulhosos" (Sl 35, 12)" (Le istituzioni cenobitiche, XII, 6, Abadia de Praglia, Bresseo di Teolo Pádua 1989, pág. 289).
Analogamente, um idoso anônimo dos Padres do deserto legou-nos esta declaração, que faz ressoar o Salmo 130: "Jamais ultrapassei a minha categoria para caminhar de forma mais altiva, e nunca fiquei perturbado em caso de humilhação, porque cada um dos meus pensamentos consistia nisto: em rezar ao Senhor para que me despojasse do homem velho" (I Padri del deserto. Detti, Roma 1980, pág. 287).
Quarta-feira, 10 de agosto de 2005
Este cântico já foi comentado nas Vésperas da terça-feira, na I e II semana.