<head> <meta content="text/html; charset=UTF-8" http-equiv="Content-Type"> <title>Catequeses</title>

Salmo 19(20)

Salmo pela vitória do Rei-Messias

Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. A invocação final: «Senhor, dá o triunfo ao rei e atende-nos quando te invocarmos» (Sl 19, 10), revela-nos a origem do Salmo 19, que escutamos e que agora meditamos. Por conseguinte, estamos na presença de um Salmo real do antigo Israel, proclamado no templo de Sião durante um rito solene. Com ele é invocada a bênção divina sobre o soberano, sobretudo «no dia da angústia» (v. 2), isto é, no tempo em que toda a nação se sente atormentada por uma angústia profunda devido à ameaça de uma guerra. De fato, são recordados os carros e os cavalos (cf. v. 8) que parecem avançar no horizonte; a eles, o rei e o povo, contrapõem a sua confiança no Senhor, que se declara da parte dos fracos, dos oprimidos, das vítimas da arrogância dos conquistadores.

É fácil compreender como a tradição cristã tenha transformado este Salmo num hino a Cristo-Rei, o «consagrado» por excelência, «o Messias» (cf. v. 7). Ele entra no mundo sem exércitos, mas com o poder do Espírito, e desencadeia o ataque definitivo contra o mal e a prevaricação, contra a prepotência e o orgulho, contra a mentira e o egoísmo. Ressoam também aos nossos ouvidos levemente as palavras que Cristo pronuncia, respondendo a Pilatos, emblema do poder imperial terrestre: «Eu sou rei. Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz» (Jo 18, 37).

2. Examinando o desenvolvimento deste Salmo, apercebemo-nos de que ele revela minuciosamente uma liturgia celebrada no templo hierosolimitano. Fazem parte do cenário os filhos de Israel, que rezam pelo rei, chefe da nação. Aliás, na abertura entrevê-se um rito sacrifical, em sintonia com os vários sacrifícios e holocaustos oferecidos pelo soberano ao «Deus de Jacob» (Sl 19, 2), que não abandona «o seu ungido» (v. 7), mas protege-o e defende-o.

A oração está marcada em grande medida pela convicção de que o Senhor é a fonte da segurança: ele vai ao encontro do desejo confiante do rei e de toda a comunidade à qual está ligado pelo vínculo da aliança. O clima é, sem dúvida, o de um acontecimento bélico, com todos os receios e riscos que suscita. A Palavra de Deus não é portanto uma mensagem abstrata, mas uma voz que se adapta às pequenas e grandes misérias da humanidade. Por isso, o Salmo reflete a linguagem militar e a atmosfera que domina Israel em tempo de guerra (cf. v. 6), adaptando-se assim aos sentimentos do homem em dificuldade.

3. No texto do Salmo o v. 7 marca uma mudança. Enquanto os versículos anteriores exprimem implicitamente pedidos dirigidos a Deus (cf. vv. 2-5), o v. 7 afirma a certeza do atendimento obtido: «Agora tenho a certeza de que o Senhor dá a vitória ao seu ungido; Ele responde-lhe do alto do seu santuário». O Salmo não esclarece qual sinal deu essa certeza.

Contudo, expressa claramente um contraste entre a posição dos inimigos, que contam com a força material dos seus carros e cavalos, e a posição dos Israelitas, que têm confiança em Deus e, por conseguinte, são vitoriosos. O pensamento corre para o célebre episódio de Davi e Golias: o jovem hebreu contrasta as armas e a prepotência do guerreiro filisteu com a invocação do nome do Senhor, que protege os fracos e inermes. De fato, Davi diz a Golias: «Tu vens para mim de espada, lança e escudo; eu, porém, vou a ti em nome do Senhor do universo... não é com a espada nem com a lança que o Senhor triunfa, porque ele é o árbitro da guerra» (1 Sm 17, 45.47).

4. O Salmo, no seu concreto histórico tão ligado à lógica da guerra, pode tornar-se um convite a nunca se deixar capturar pela atração da violência. Também Isaías exclamava: «Ai dos que... põem a sua confiança na cavalaria! Confiam nos carros porque são muitos, e nos cavaleiros porque são fortes. Não olham para o Santo de Israel, nem consultam o Senhor» (Is 31, 1).

A qualquer forma de maldade o justo contrapõe a fé, a benevolência, o perdão, a oferenda de paz. O apóstolo Paulo admoesta os cristãos: «Não pagueis a ninguém o mal com o mal; interessai-vos pelo que é bom diante de todos os homens» (Rm 12, 17). E o historiador da Igreja dos primeiros séculos, Eusébio de Cesárea (séculos III-IV), ao comentar o nosso Salmo, alargará o olhar também sobre o mal da morte que o cristão sabe que pode vencer por obra de Cristo: «Todas as potências adversárias e os inimigos de Deus escondidos e invisíveis, rostos em fuga do próprio Salvador, decairão. Mas todos aqueles que receberem a salvação, ressurgirão da sua antiga ruína. Por isso Simeão dizia: “Ele veio para queda e ressurreição de muitos”, ou seja, para a ruína dos seus adversários e inimigos e para a ressurreição daqueles que outrora caíram mas agora foram por ele ressuscitados» (PG 23, 197).

Quarta-feira 10 de março de 2004

Salmo 20(21),2-8.14

Ação de graças pela vitória do Rei

1. No âmbito do Salmo 20 a Liturgia das Vésperas destacou a parte que agora escutamos, omitindo outra de caráter imprecatório (cf. vv. 9-13). A parte conservada fala no passado e no presente dos favores concedidos por Deus ao rei,  enquanto  a  parte  omitida  fala  no futuro da vitória do rei sobre os seus inimigos.

O texto que constitui o objeto da nossa meditação (cf. vv. 2-8.14) pertence ao gênero dos Salmos reais. Por conseguinte, no centro encontra-se a obra de Deus a favor do soberano hebraico representado talvez no dia solene da sua entronização. No início (cf. v. 2) e no fim (cf. v. 14) parece que ressoa uma aclamação de toda a assembléia, enquanto o centro do hino tem tonalidades de um cântico de gratidão, que o Salmista dirige a Deus pelos favores concedidos ao rei:  "bênçãos preciosas" (v. 4), "vida longa" (v. 5), "glória" (v. 6) e "alegria" (v. 7).

É fácil intuir que a este cântico como aconteceu com os outros Salmos reais do Saltério foi designada uma nova interpretação quando, em Israel, desapareceu a monarquia. Já com o Judaísmo, ele se tinha tornado um hino em honra do rei-Messias:  desta forma, aplainava-se o caminho da interpretação cristológica, que é precisamente adotada pela liturgia.

2. Mas, lancemos primeiro um olhar ao texto no seu sentido originário. Respira-se uma atmosfera jubilosa e que ressoa de cânticos, tendo em consideração a solenidade do acontecimento: "Senhor, o rei alegra-se com o teu poder e regozija-se com o teu auxílio... Cantaremos e celebraremos a tua força!" (vv. 2.14). Depois, são referidos os dons de Deus ao soberano:  Deus satisfez as suas preces (cf. v. 3), coloca-lhe sobre a cabeça uma coroa de ouro (cf. v. 4). O esplendor do rei está relacionado com a luz divina que o envolve como um manto protetor: "cumulaste-o de esplendor e majestade" (v. 6).

No antigo Médio Oriente considerava-se que o rei estivesse circundado por uma auréola luminosa, que confirmava a sua participação na própria essência da divindade. Naturalmente para a Bíblia o soberano é, sem dúvida, "filho" de Deus (cf. Sl 2, 7), mas apenas em sentido metafórico e adotivo. Então, ele deve ser o lugar-tenente do Senhor em tutelar a justiça. Precisamente por esta missão Deus o circunda com a luz benéfica e com a sua bênção.

3. A bênção é um tema relevante neste hino breve: "Foste ao seu encontro com bênçãos preciosas... abençoaste-o para sempre" (Sl 20, 4.7). A bênção é sinal da presença divina que intervém no rei que, desta forma, se torna um reflexo da luz de Deus na humanidade. Na tradição bíblica, a bênção inclui também o dom da vida que é precisamente efundido sobre o consagrado:  "Pediu-te a vida e Tu lha concedeste, vida longa, pelos séculos além" (v. 5). Também o profeta Natan tinha garantido a Davi esta bênção, fonte de estabilidade, subsistência e segurança, e Davi rezou da seguinte forma:  "Abençoa, desde agora, a sua casa, para que ela subsista para sempre diante de ti:  porque Tu, Senhor Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada eternamente!" (2 Sm 7, 29).

4. Recitando este Salmo, vemos delinear-se por detrás do retrato do rei hebraico o rosto de Cristo, rei messiânico. Ele é "irradiação da glória" (Hb 1, 3). Por conseguinte, Ele é o Filho em sentido pleno e é a presença perfeita de Deus no meio da humanidade. Ele é luz e vida, como proclama São João no prólogo do seu Evangelho: "Nele é que estava a Vida... e a Vida era a Luz dos homens" (1, 4).

Nesta perspectiva, Santo Ireneu, Bispo de Lião, ao comentar o Salmo, aplicará o tema da vida (cf. Sl 20, 5) à ressurreição de Cristo:  "Por que motivo o Salmista diz:  "Pediu-te a vida", visto que Cristo estava para morrer? Por conseguinte, o Salmista anuncia a sua ressurreição dos mortos e que ele, ressuscitado dos mortos, é imortal. Com efeito, assumiu a vida para ressurgir, e longo espaço de tempo na eternidade para ser incorruptível" (Exposição da pregação apostólica, 72, Milão 1979, pág. 519). Com base nesta certeza também o cristão cultiva em si a esperança no dom da vida eterna.

Quarta-feira 17 de março de 2004

Ap 4,11;5,9.10.12

Hino dos remidos

1. O cântico que acabamos de escutar e no qual agora meditamos forma parte da Liturgia das Vésperas, cujos salmos estamos comentando paulatinamente em nossas catequeses semanais. Como sucede com freqüência na liturgia, algumas composições de oração nascem ao unir fragmentos bíblicos que pertencem a páginas mais extensas. Neste caso, tomaram-se alguns versículos dos capítulos 4 e 5 do Apocalipse, nos quais se descreve uma gloriosa e grandiosa cena celestial. No centro, eleva-se um trono sobre o qual está sentado o próprio Deus, cujo nome não é pronunciado por veneração (Cf. Apocalipse 4, 2). Em seguida, nesse trono, senta-se um Cordeiro, símbolo de Cristo ressuscitado: fala-se, de fato, de um «Cordeiro, como imolado», «de pé», vivo e glorioso (5,6).

Em torno a estas duas figuras divinas desprega-se o coro da corte celestial, representada por «quatro viventes» (4,6), que parecem evocar os anjos da presença divina nos pontos cardeais do universo e «vinte e quatro anciãos» (4,4), em grego «presbyteroi», ou seja, os chefes da comunidade cristã, cujo número recorda as doze tribos de Israel e os doze apóstolos, ou seja, a síntese entre a primeira e a nova aliança.

2. Esta assembléia do Povo de Deus entoa um hino ao Senhor, exaltando «a glória, a honra e o poder», que se manifestaram na criação do universo (Cf. 4, 11). Ao chegar a esse momento introduz-se um símbolo de particular importância, em grego um «biblíon», ou seja, um «livro», que, não obstante, é totalmente inacessível: sete selos impedem sua leitura (Cf. 5,1). Trata-se, portanto, de uma profecia escondida. Esse livro contém toda a série de decretos divinos que há que atuar na história para que reine a justiça perfeita. Se o livro fica selado, não é possível conhecer nem aplicar estes decretos, e a maldade seguirá estendendo-se e oprimindo os crentes. Constata-se assim a necessidade de uma intervenção autorizada: o Cordeiro imolado e ressuscitado a realizará. Ele será capaz «de tomar o livro e abrir seus selos» (Cf. 5, 9). Cristo é o grande intérprete e o senhor da história, que revela a trama escondida da ação divina que se desenvolve nela.

3. O hino indica depois qual é o fundamento do poder de Cristo sobre a história: seu mistério pascal (Cf. 5, 9-10): Cristo se «imolou» e com seu sangue «resgatou» toda a humanidade do poder do mal. O verbo «resgatar» faz referência ao Êxodo, à libertação de Israel da escravidão do Egito. Segundo a antiga legislação, o dever do resgate correspondia ao parente mais próximo. No caso do povo, este era o próprio Deus que chamava a Israel seu «primogênito» (Êxodo 4, 22). Mas, também, Cristo realiza esta obra por toda a humanidade. Sua redenção não só tem a função de resgatar-nos do nosso mal cometido no passado, de sanar as feridas e de levantar-nos de nossas misérias. Cristo nos dá um novo ser interior, nos faz sacerdotes e reis, partícipes em sua mesma dignidade.

Ao aludir às palavras que Deus havia proclamado no Sinai (Cf. Êxodo 19, 6; Apocalipse 1, 6), o hino confirma que o povo de Deus redimido se compõe de reis e sacerdotes que devem guiar e santificar toda a criação. É uma consagração que tem sua origem na Páscoa de Cristo e que se realiza no batismo (Cf. 1 Pedro 2, 9). Dela se deriva um chamado à Igreja para que tome consciência de sua dignidade e de sua missão.

4. A tradição cristã aplicou constantemente a Cristo a imagem de Cordeiro pascal. Escutemos as palavras de um bispo do século II, Melitão de Sardes, cidade da Ásia Menor, que se expressa assim em sua «Homilia de Páscoa»: «Cristo desceu do céu para a terra por amor à humanidade sofrida, revestiu-se de nossa humanidade no seio da Virgem e nasceu como homem… Detiveram-no como um cordeiro e como um cordeiro foi imolado, e deste modo nos resgatou da escravidão do mundo… Ele nos tirou da escravidão para a liberdade, das trevas para a luz, da morte para a vida, da opressão para uma realeza eterna; e fez de nós um novo sacerdócio e um povo eleito para sempre… Ele é o cordeiro mudo, o cordeiro imolado, o filho de Maria, cordeira sem mancha. Ele foi tomado do rebanho, conduzido à morte, imolado no entardecer, sepultado à noite» (nn. 66-71:SC 123,pp. 96-100).

Ao final, o mesmo Cristo, o Cordeiro imolado, dirige seu chamado a todos os povos: «Vinde, portanto, vós que sois estirpe de homens manchados pelos pecados, e recebei o perdão dos pecados. Eu sou, de fato, vosso perdão, eu sou a Páscoa da salvação, eu sou o cordeiro imolado por vós, eu sou vosso resgate, eu sou vosso caminho, eu sou vossa ressurreição, eu sou vossa luz, eu sou vossa salvação, eu sou vosso rei. Eu sou quem vos conduz às alturas dos céus, eu vos mostrarei ao Pai que vive desde a eternidade, eu vos ressuscitarei com minha destra» (n. 103: ibidem, p. 122).

Quarta-feira, 31 de março de 2004