<head> <meta content="text/html; charset=UTF-8" http-equiv="Content-Type"> <title>Catequeses</title>

Salmo 29(30)

Deus dissipa o grande pesadelo, o medo da morte

1. Uma intensa e suave ação de graças se eleva a Deus desde o coração de quem reza, depois de desvanecer-se nele o pesadelo da morte. Este é o sentimento que emerge com força no Salmo 29, que acaba de ressoar em nossos ouvidos e, sem dúvida, também em nossos corações. Este hino de gratidão possui uma grande fineza literária e se baseia em uma série de contrastes que expressam de maneira simbólica a libertação obtida graças ao Senhor.

Deste modo, a descida «à cova» se opõe a saída «do abismo» (versículo 4); a sua «cólera» que «dura um instante» substitui-lhe «sua bondade por toda vida» (versículo 6); ao «pranto» do entardecer lhe segue o «júbilo» da manhã (ibidem); ao «luto» lhe segue a «dança», das «amarras» ao «vestido de festa» (versículo 12). Passada, portanto, a noite da morte, surge a aurora do novo dia. Por este motivo, a tradição cristã viu este Salmo como pascal. Testifica isso o encontro de abertura que a edição do texto litúrgico das Vésperas toma de um grande escritor monástico do século IV, João Cassiano: «Cristo dá graças ao pai por sua ressurreição gloriosa».

2. Quem ora dirige-se em várias ocasiões ao «Senhor» --ao menos oito vezes--, seja para anunciar que lhe louvará (Cf. versículos 2 e 13), seja para recordar o grito que lhe dirigiu em tempos de prova (Cf. versículos 3 e 9) e sua intervenção libertadora (Cf. versículos 2, 3, 4, 8 e 12), seja para invocar novamente sua misericórdia (Cf. versículo 11). Em outra passagem, o orante convida os fiéis a elevar hinos ao Senhor para dar-lhe graças (Cf. versículo 5).

As sensações oscilam constantemente entre a lembrança terrível do pesadelo passado e a alegria da libertação. Certamente, o perigo que ficou atrás é grave e ainda provoca calafrios; a lembrança do sofrimento passado é anda clara e viva; há muito pouco tempo que se enxugou o pranto dos olhos. Mas já saiu a aurora do novo dia; à morte lhe seguiu a perspectiva da vida que continua.

3. O Salmo demonstra deste modo que não temos que render-nos ante a escuridão do desespero, quando parece que tudo está perdido. Mas tampouco há que cair na ilusão de salvar-nos sós, por nossas próprias forças. O salmista, de fato, está tentado pela soberba e a auto-suficiência: «Eu pensava muito seguro: “não vacilarei jamais”» (versículo 7).

Os Padres da Igreja também refletiram sobre esta tentação que se apresenta em tempos de bem-estar, e descobriram na provação um chamado divino à humildade. É o que diz, por exemplo, Fulgencio, bispo de Ruspe (467-532), em sua «Carta 3», na qual comenta esta passagem do Salmo com estas palavras: «O salmista confessava que em certas ocasiões se orgulhava de estar são, como se fosse mérito seu, e que assim descobria o perigo de uma enfermidade gravíssima. De fato, diz: “Eu pensava muito seguro”: não vacilarei jamais”! E, dado que o ao dizer isto, havia sido abandonado do apoio da graça divina, e turbado, caiu em sua enfermidade, seguiu dizendo: “Tua bondade, Senhor, assegurava-me a honra e a força; mas escondeste teu rosto, e fiquei desconcertado”. Para mostrar que a ajuda da graça divina, ainda que se conte com ela, tem que ser de todos modos invocada humildemente sem interrupção, acrescenta: “a ti, Senhor, clamo, suplico a meu Deus”. Ninguém pede ajuda se não reconhece sua necessidade, nem crê que pode conservar o que possui confiando só em suas próprias forças” (Fulgencio de Ruspe, «As Cartas» -- «Le Lettere» -- , Roma 1999, p. 113).

4. Depois de ter confessado a tentação de soberba experimentada em tempos de prosperidade, o salmista recorda a prova que lhe seguiu, dizendo ao Senhor: «escondeste teu rosto e fiquei desconcertado» (versículo 8). Quem ora recorda então a maneira em que implorou ao Senhor: (Cf. versículos 9-11): gritou, pediu ajuda, suplicou que lhe preservasse da morte, oferecendo como argumento o fato de que a morte não oferece nenhuma vantagem a Deus, pois os mortos não são capazes de louvar a Deus, não têm nenhum motivo para proclamar a fidelidade de Deus, pois foram abandonados por Ele.

Podemos encontrar este mesmo argumento no Salmo 87, no qual o orante, ante a morte, pergunta a Deus: «Anuncia-se no sepulcro tua misericórdia, ou tua fidelidade no reino da morte? » (Salmo 87, 12). Do mesmo modo, o rei Ezequias, gravemente enfermo e depois curado, dizia a Deus: «A morte não te glorifica…, O que vive, o que vive, esse te louva» (Isaías 38, 18-19).

O Antigo Testamento expressava deste modo o intenso desejo humano de uma vitória de Deus sobre a morte e para referência aos numerosos casos nos quais foi alcançada esta vitória: pessoas ameaçadas de morrer de fome no deserto, prisioneiros que escaparam à pena de morte, enfermos curados, marinheiros salvos do naufrágio (Cf. Salmo 106, 4-32). Agora, tratava-se de vitórias que não eram definitivas. Tarde ou cedo, a morte conseguia impor-se.

A aspiração à vitória se manteve sempre apesar de tudo e se converteu ao final em uma esperança de ressurreição. É a satisfação de que esta aspiração poderosa foi plenamente assegurada com a ressurreição de Cristo, pela qual nunca daremos suficientemente graças a Deus.

Quarta-feira, 11 de maio de 2004

Salmo 31(32)

Ação de graças de um pecador perdoado

1. «Feliz o que está absolvido de sua culpa». Esta bem-aventurança, com a qual inicia o Salmo 31, que acaba de ser proclamado, permite-nos compreender imediatamente o motivo pelo qual foi introduzido pela tradição cristã na série dos sete salmos penitenciais. Após a dupla bem-aventurança do início (Cf. versículos 1-2), não nos encontramos ante uma reflexão genérica sobre o pecado e o perdão, mas ante o testemunho pessoal de um convertido.

A composição do Salmo é complexa: após o testemunho pessoal (Cf. versículos 3-5), apresentam-se dois versículos que falam de perigo, de oração e de salvação (Cf. versículos 6-7), depois vem uma promessa divina de conselho. (Cf. versículo 8) e uma advertência (Cf. versículo 9). Por último, enuncia-se um dito sapiencial antitético (Cf. versículo 10) e um convite a alegrar-se no Senhor (Cf. versículo 11).

2. Nesta ocasião, retomaremos somente alguns elementos desta composição. Antes de tudo, aquele que ora descreve a penosa situação de consciência em que se encontrava quando calava (Cf. versículo 3): tendo cometido graves culpas, não tinha o valor de confessar a Deus seus pecados. Era um tormento interior terrível, descrito com imagens impressionantes. Os ossos eram consumidos sob a febre, o calor asfixiante atenuava seu vigor dissolvendo-o, seu gemido era constante. O pecador sentia sobre ele o peso da mão de Deus, consciente de que Deus não é indiferente ante o mal perpetrado pela criatura, pois ele é o guardião da justiça e da verdade.

3. Ao não poder resistir mais, o pecador decide confessar sua culpa com uma declaração valente, que parece uma antecipação da do filho pródigo na parábola de Jesus (Cf. Lucas 15, 18). Diz com coração sincero: «Confessarei ao Senhor minha culpa». São poucas palavras, mas nascem da consciência; Deus responde imediatamente com um perdão generoso (Cf. Salmo 31, 5). O profeta Jeremias dirigia este chamado de Deus: «Volta, Israel apóstata, diz o Senhor; não estará irado meu semblante contra vós, porque piedoso sou, não guardo rancor para sempre. Tão só reconhece tua culpa, pois contra o Senhor teu Deus te rebelaste» (3, 12-13).

Abre-se deste modo ante «todo fiel» arrependido e perdoado um horizonte de segurança, de confiança, de paz, apesar das provas da vida (Cf. Salmo 31, 6-7). Pode chegar ainda o momento da angústia, mas a onda do medo não prevalecerá, pois o Senhor conduzirá seu fiel até um lugar seguro: «Tu és meu refúgio, me livras do perigo, me rodeias de cantos de libertação» (versículo 7).

4. Neste momento, o Senhor toma a palavra para prometer que guiará o pecador convertido. É necessário caminhar pelo caminho reto. Por isso, como no livro de Isaías, (Cf. 30, 21), o Senhor promete: «Eu te ensinarei o caminho que hás de seguir» (Salmo 31, 8) e faz um convite à docilidade. O chamado se faz urgente e algo irônico com o chamativa comparação da mula e do cavalo, símbolos da obstinação (Cf. Versículo 9). A verdadeira sabedoria, de fato, leva à conversão, deixando às costas o vício e seu escuro poder de atração. Mas, sobretudo, leva a usufruir dessa paz que surge de ser libertados e perdoados.

São Paulo, na Carta aos Romanos, refere-se explicitamente ao início de nosso Salmo para celebrar a graça libertadora de Cristo (Cf. Romanos 4, 6-8). Nós poderíamos aplicá-lo ao sacramento da Reconciliação. Nele, à luz do Salmo, experimenta-se a consciência do pecado, com freqüência ofuscada em nossos dias e, ao mesmo tempo, a alegria do perdão. Ao binômio «delito-castigo», substitui-lhe o binômio «delito-perdão», pois o Senhor é um Deus «que perdoa a iniqüidade, a rebeldia e o pecado» (Êxodo 34, 7).

5. São Cirilo de Jerusalém (Século IV) utilizará o Salmo 31 para mostrar aos catecúmenos a profunda renovação do Batismo, purificação radical de todo pecado («Procatequese» n. 15). Também exaltará com as palavras do salmista a misericórdia divina. Concluímos nossa catequese com suas palavras: «Deus é perdão... o cúmulo de teus pecados não será maior que a misericórdia de Deus, a gravidade de tuas feridas não superará as capacidades do sumo Médico, com tal de que te abandones nele com confiança. Manifesta ao médico tua enfermidade e dirige-lhe as palavras que pronunciou Davi: "Confessarei minha culpa ao Senhor, tenho sempre presente meu pecado". Deste modo, conseguirás que se faça realidade: "Perdoaste a maldade de meu coração"» («As catequeses» --«Le catechesi», Roma 1993, pp. 52-53).

Quarta-feira, 19 de maio de 2004

Ap 11,17-18; 12,10b-12a

Ação de graças pelo juízo justo de Deus

1. O cântico que acabamos de elevar ao «Senhor Deus onipotente», proposto pela Liturgia das Vésperas, é o resultado de uma seleção de alguns versículos dos capítulos 11 e 12 do Apocalipse. Já se escutou a última das sete trombetas que ressoam neste livro de luta e de esperança. Então, os vinte e quatro anciãos da corte celestial, que representam todos os justos da Antiga e da Nova Aliança (Cf. Apocalipse 4,4; 11,16), entoam um hino que talvez já era utilizado na assembléia litúrgica da Igreja das origens. Adoram ao Deus soberano do mundo e da história, disposto a instaurar seu reino de justiça, de amor e de verdade.

Nesta oração sente-se palpitar o coração dos justos que esperam a vinda do Senhor para que faça mais luminosas as vicissitudes humanas, com freqüência submergidas nas trevas do pecado, da injustiça, da mentira e da violência.

2. O Canto entoado pelos vinte e quatro anciãos fica marcado pela referência a dois salmos: o salmo 2, que é um canto messiânico (Cf. 2, 1-5) e o salmo 98, que celebra a realeza divina (Cf. 98, 1). Deste modo, exalta-se o juízo justo e resoluto que o Senhor vai pronunciar sobre toda a história humana. Esta intervenção benéfica tem dois aspectos, como duas são as características que definem o rosto de Deus. Ele é juiz, sim, mas também salvador, condena o mal, mas recompensa a fidelidade; é justiça, mas, sobretudo, amor.

A identidade dos justos, já salvos no Reino de Deus, é significativa. Distribuem-se em três categorias de «servos» do Senhor, ou seja, os profetas, os santos e os que temem seu nome (Cf. Apocalipse 11, 18). É uma espécie de retrato espiritual do povo de Deus, segundo os dons recebidos no batismo e florescidos na vida de fé e de amor. Um perfil que se encarna tanto nos pequenos como nos grandes (Cf. 19,5).

3. Nosso hino, como já se disse, é elaborado também utilizando versículos do capítulo 12, que fazem referência a um cenário grandioso que deu a luz ao Messias e ao dragão da maldade e da violência. Neste duelo entre o bem e o mal, entre a Igreja e Satanás, de repente ressoa uma voz celestial que anuncia a derrota do «Acusador» (Cf. 12, 10). Este nome é a tradução do nome hebreu «Satán», dado a um personagem que, segundo o livro de Jó, é membro da corte celestial de Deus; em que desempenha o papel de fiscal (Cf. Jó 1, 9-11; 2, 4-5; Zacarias 3,1). «Acusava nossos irmãos ante nosso Deus dia e noite», ou seja, punha em dúvida a sinceridade da fé dos justos. Agora o dragão satânico é calado e na raiz de sua derrota está «o sangue do Cordeiro» (Apocalipse 12, 11), a paixão e a morte de Cristo redentor.

À sua vitória é associado o testemunho do martírio dos cristãos. Dá-se uma participação na obra redentora do Cordeiro por parte dos fiéis que «não amaram tanto sua vida que temeram a morte» (ibidem). Recorda as palavras de Cristo: «Quem se apega à sua vida, perde-a, mas quem não faz conta de sua vida neste mundo, há de guardá-la para a vida eterna» (João 12, 25).

4. O solista celestial que entoa o cântico conclui-o convidando todo coro angélico a unir-se ao hino de alegria pela salvação alcançada (Cf. Apocalipse 12, 12). Nós nos unimos a esta voz em nossa ação de graças festiva e cheia de esperança, apesar das provações que marcam nosso caminho para a glória.

Fazemo-lo escutando as palavras que o mártir São Policarpo dirigia ao «Senhor Deus onipotente», quando já estava atado para ser queimado: «Senhor Deus onipotente», pai de teu amado e bendito filho Jesus Cristo…, bendigo-te porque te compadeceste em fazer-me viver estes momentos em que vou ocupar um lugar entre teus mártires e a participar do cálice de teu Cristo, antes de ressuscitar em alma e corpo para sempre na imortalidade do Espírito Santo! Concede-me que seja recebido hoje entre teus mártires e que o sacrifício que me preparaste Tu, Deus fiel e verdadeiro, seja-te louvável! Louvo-te, bendigo-te e glorifico-te por tudo isso, por meio do Sacerdote Eterno, Jesus Cristo, teu amado Filho, com quem a Ti e ao Espírito seja dada toda glória agora e sempre! Amém!» («Atas e paixões dos mártires» -- «Atti e passioni dei martiri», Milão 1987, p. 23).

Quarta-feira, 26 de maio de 2004