Salmo 48(49)

I

Vaidade das riquezas

1. Nossa meditação sobre o Salmo 48 será dividida em duas etapas, como faz a liturgia das Vésperas, que nos propõe em dois momentos. Comentaremos agora de maneira essencial a primeira parte, na qual a reflexão se dá conta de uma situação difícil, como no Salmo 72. O justo tem que enfrentar «dias maus», pois lhe perseguem «os malvados, que confiam em sua opulência» (Cf. Salmo 48, 6-7).

A conclusão à que chega o justo é formulada como uma espécie de provérbio, que voltará a aparecer ao final do Salmo. Sintetiza nitidamente a mensagem desta composição poética: «O homem rico e inconsciente é como um animal que perece» (versículo 13). Em outras palavras, as «imensas riquezas» não são uma vantagem, mas totalmente o contrário. É melhor ser pobre e estar unido a Deus.

2. O provérbio parece fazer eco da voz austera de um antigo sábio bíblico, o Eclesiastes ou Cohélet, quando descreve o destino aparentemente igual de toda criatura vivente, a morte, que torna totalmente inútil o apego frenético aos bens terrenos: «Como saiu do ventre de sua mãe, nu voltará, como veio; e nada poderá tirar de suas fadigas que possa levar consigo» (Eclesiastes 5, 14). «Porque o homem e o animal têm a mesma sorte: morre tanto um como a outra... Todos caminham há uma mesma meta» (Eclesiastes 3, 19.20).

3. Uma profunda cegueira toma posse do homem quando crê que evitará a morte trabalhando para acumular bens materiais: de fato, o salmista fala de uma inconsciência comparável à dos animais. O tema será explorado também por todas as culturas e todas as espiritualidades e será expresso de maneira essencial e definitiva por Jesus, quando declara: «Guardai-vos de toda cobiça, porque, ainda na abundância, a vida de uma pessoa não está assegurada por seus bens» (Lucas 12, 15). Depois narra a famosa parábola do rico tolo que acumula bens sem medida sem se dar conta de que a morte está se aproximando (Cf. Lucas 12, 16-21).

4. A primeira parte do Salmo está totalmente centrada precisamente nesta ilusão que se apodera do coração do rico. Está convencido de que pode «comprar» até a morte, tratando assim de corrompê-la, como fez com todas as demais coisas das que se apoderou: o êxito, o triunfo sobre os demais no âmbito social e político, a prevaricação impune, a avareza, a comodidade, os prazeres.

Mas o salmista não duvida em qualificar de tolice esta ilusão. Recorre a uma palavra que tem um valor também financeiro, «resgate»: «É tão caro o resgate da vida, que nunca lhes bastará para viver perpetuamente sem descer à cova» (Salmo 48, 8-10).

5. O rico, apegado a suas imensas fortunas, está convencido de que conseguirá dominar até a morte, tal e como dominou a tudo e a todos com o dinheiro. Mas, por mais dinheiro que possa oferecer, seu destino último será inexorável. Da mesma forma que todos os homens e mulheres, ricos ou pobres, sábios ou ignorantes, um dia será levado à tumba, tal e como aconteceu aos poderosos e terá que deixar sua terra e esse ouro tão amado, esses bens materiais tão idolatrados (Cf. versículo 11-12). Jesus insinuou a quem lhe escutava essa pergunta inquietante: «de que servirá ao homem ganhar o mundo inteiro, se arruinar sua vida?» (Mateus 16, 26). Não se pode mudar por nada, pois a vida é dom de Deus, «que tem em suas mãos a alma de todo ser vivente e o sopro de toda carne do homem» (Jó 12, 10).

6. Entre os Padres da Igreja que comentaram o Salmo 48 merece particular atenção Santo Ambrósio, que amplia seu significado graças a uma visão mais ampla, a partir do convite inicial que faz o salmista: «Ouvi isto, todas as nações; Dai ouvidos, habitantes do globo». O antigo bispo de Milão comentava: «Reconhecemos aqui, precisamente no início, a voz do Senhor salvador que chama os povos para que venham à Igreja e renunciem ao pecado, se convertam em seguidores da verdade e reconheçam a vantagem da fé». De fato, «todos os corações das diferentes gerações ficaram contaminados pelo veneno da serpente e a consciência humana, escrava do pecado, não era capaz de desapegar-se». Por isto o Senhor, «por iniciativa sua, promete o perdão com a generosidade de sua misericórdia, para que o culpável deixe de ter medo e, com plena consciência, se alegre de poder oferecer-se como servo ao bom Senhor, que soube perdoar os pecados, premiar as virtudes» («Comentário aos doze Salmos», «Commento a dodici Salmi», n. 1: SAEMO, VII, Milão-Roma 1980, p.253).

7. Nestas palavras do Salmo se escuta o eco do convite evangélico: «Vinde a mim todos os que estão cansados ou sobrecarregados, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós meu jugo» (Mateus 11, 28). Ambrósio segue dizendo: «Como quem visita aos enfermos, como um médico que vem curar nossas dolorosas feridas, assim nos prescreve o tratamento, para que os homens o escutem e todos corram com confiança a receber o remédio da cura... Chama a todos os povos ao manancial da sabedoria e do conhecimento, promete a todos a redenção para que ninguém viva na angústia, para que ninguém viva no desespero» (n. 2:ibidem, pp. 253.255).

Quarta-feira, 20 de outubro de 2004

Salmo 48(49)

II

A riqueza humana não salva

1. A Liturgia das Vésperas nos apresenta o Salmo 48, de caráter sapiencial, do qual se acaba de proclamar a segunda parte (Cf. versículo 14-21). Como na anterior (Cf. versículos 1-13), na qual já refletimos, também esta seção do Salmo condena a ilusão gerada pela idolatria da riqueza. Esta é uma das tentações constantes da humanidade: apegando-se ao dinheiro por considerar que está dotado de uma força invencível, cai-se na ilusão de poder «comprar também a morte», afastando-a de si mesmo.

2. Na realidade, a morte irrompe com sua capacidade de demolir toda ilusão, varrendo todo obstáculo, humilhando toda confiança em si mesmo (Cf. versículo 14) e encaminhando ricos e pobres, soberanos e súditos, ignorantes e sábios para mais além. É eficaz a imagem que o salmista traça ao apresentar a morte como um pastor que guia com mão firme o rebanho das criaturas corruptíveis (Cf. versículo 15). O Salmo 48 nos propõe, portanto, uma meditação severa e realista sobre a morte, fundamental meta iniludível da existência humana.

3. Com freqüência, tentamos ignorar com todos os meios esta realidade, afastando-a do horizonte de nosso pensamento. Mas este esforço, além de inútil é inoportuno. A reflexão sobre a morte, de fato, é benéfica, pois relativiza muitas realidades secundárias que infelizmente absolutizamos, como é o caso precisamente da riqueza, do êxito, do poder... Por este motivo, um sábio do Antigo Testamento, Sirácida, adverte: «Em todas as tuas ações tem presente teu fim, e jamais cometerás pecado» (versículo 16). Para o justo abre-se um horizonte de esperança e de imortalidade. Ante a pergunta proposta no início do Salmo --«Por que terei medo?» versículo 6--, oferece-se agora a resposta: «Não te preocupes se um homem se enriquece» (versículo 17).

4. O justo, pobre e humilhado na história, quando chega à última fronteira da vida, não tem bens, não tem nada que oferecer como «resgate» para deter a morte e libertar-se de seu gélido abraço. Mas chega então a grande surpresa: o próprio Deus oferece um resgate e arranca das mãos da morte a seu fiel, pois Ele é o único que pode vencer à morte, inexorável para as criaturas humanas.

Por este motivo, o salmista convida a «não se preocupar», a não ter inveja do rico que se faz cada vez mais arrogante em sua glória (Cf. ibidem), pois, chegada a morte, será despojado de tudo, não poderá levar consigo nem ouro nem prata, nem fama nem êxito (Cf. versículos 18-19). O fiel, pelo contrário, não será abandonado pelo Senhor, que lhe indicará «o caminho da vida, fartura de alegrias, diante de teu rosto, à tua direita, delícias para sempre» (Cf. Salmo 15,11).

5. Então poderemos pronunciar, como conclusão da meditação sapiencial do Salmo 48, as palavras de Jesus que nos descreve o verdadeiro tesouro que desafia a morte: «Não ajunteis tesouros na terra, onde há traça e ferrugem que corroem, e ladrões que maltratam e roubam. Ajuntai tesouros no céu, onde não há traça nem ferrugem que corroem, nem ladrões que maltratam e roubam. Porque onde está teu tesouro, ali está também teu coração» (Mateus 6, 19-21).

6. Seguindo as pegadas das palavras de Cristo, Santo Ambrósio, em seu «Comentário ao Salmo 48», confirma de maneira clara e firme a inconsistência das riquezas: «Não são mais que caducidades e se vão mais rapidamente do que tardaram em vir. Um tesouro deste tipo não é mais que um sonho. Despertas-te e já desapareceu, pois o homem que consegue se curar da ilusão deste mundo e apropriar-se da sobriedade das virtudes, despreza tudo isto e não dá valor ao dinheiro» («Comentário aos doze salmos» --«Commento a dodici salmi»--n. 23: SAEMO, VIII, Milão-Roma 1980, p. 275).

7. O bispo de Milão convida, portanto, a não se deixar atrair ingenuamente pelas riquezas da glória humana: «Não tenhas medo, nem sequer quando te dês conta de que se agigantou a glória de alguma linhagem! Aprende a olhar a fundo com atenção, e te resultará algo vazio se não tem uma brisa da plenitude da fé». De fato, antes que viesse Cristo, o homem estava arruinado e vazio: «A desastrosa queda do antigo Adão nos deixou sem nada, mas fomos tomados pela graça de Cristo. Ele se despojou de si mesmo para encher-nos e para fazer que na carne do homem esteja a plenitude da virtude». Santo Ambrósio conclui dizendo que, precisamente por este motivo, podemos exclamar agora com São João: «De sua plenitude recebemos toda graça sobre graça» (João 1, 16) (Cf. ibidem).

Quarta-feira, 27 de outubro de 2004

Ap 4,11;5,9.10.12

Hino dos redimidos

1. O cântico que acabamos de propor imprime na Liturgia das Vésperas a simplicidade e intensidade de um louvor comunitário. Pertence à solene visão de abertura do Apocalipse, que apresenta uma espécie de liturgia celestial à qual também nós, peregrinos na terra, associamo-nos durante nossas celebrações eclesiais.

O hino, composto por alguns versículos tomados do Apocalipse, e unificados para o uso litúrgico, baseia-se em dois elementos fundamentais. O primeiro, esboçado brevemente, é a celebração da obra do Senhor: «Tu criaste o universo; porque por tua vontade o que não existia foi criado» (4,11). A criação revela, de fato, a imensa potência de Deus. Como diz o livro da Sabedoria, «da grandeza e formosura das criaturas se chega, por analogia, a contemplar o seu autor» (13, 5). Do mesmo modo, o apóstolo Paulo observa: «Porque o invisível de Deus, desde a criação do mundo, deixa-se ver à inteligência através de suas obras» (Romanos 1, 20). Por este motivo, é um dever elevar o cântico de louvor ao Criador para celebrar sua glória.

2. Neste contexto, pode ser interessante recordar que o imperador Domiciano, sob cujo governo foi composto o Apocalipse, fazia-se chamar com o título de «Dominus et deus noster» (Cf. Suetonio, «Domiciano», XIII). Obviamente os cristãos se opunham a dirigir semelhantes títulos a uma criatura humana, por mais potente que fosse, e só dedicavam suas aclamações de adoração ao verdadeiro «Senhor e Deus nosso», criador do universo (Cf. Apocalipse 4, 11) e aquele que é, com Deus, «o primeiro e o último» (Cf. 1, 17), e está sentado com Deus, seu Pai, sobre o trono celestial (Cf. 3, 21). Cristo, morto e ressuscitado, simbolicamente representado nesta ocasião como um Cordeiro erguido apesar de ter sido «degolado» (5,6).

3. Este é precisamente o segundo elemento amplamente desenvolvido pelo hino que estamos comentando: Cristo, Cordeiro imolado. Os quatro seres vivos e os vinte e quatro anciãos o aclamam com um canto que começa com esta louvação: «És digno de tomar o livro e abrir seus selos, porque foste degolado» (5,9). No centro do louvor está, portanto, Cristo, com sua obra histórica de redenção. Por este motivo, é capaz de decifrar o sentido da história: abre os «selos» (ibidem) do livro secreto que contém o projeto querido por Deus.

4. Pois não é só uma obra de interpretação, mas também um ato de cumprimento e libertação. Dado que foi «degolado», pôde «adquirir» (ibidem) com seu sangue os homens de toda origem.

O verbo grego utilizado não faz explicitamente referência à história do Êxodo, na qual nunca se fala de «adquirir» israelenses, na continuação da frase contém uma alusão evidente à famosa promessa feita por Deus a Israel no Sinai: «sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa» (Êxodo 19, 6).

5. Agora esta promessa se fez realidade: o Cordeiro constituiu para Deus «um reino de Sacerdotes, e eles reinam sobre a terra» (Apocalipse 5, 10), e este reino está aberto a toda a humanidade, chamada a formar a comunidade dos filhos de Deus, como recordará São Pedro: «vós sois linhagem eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, para anunciar os louvores d’Aquele que vos chamou das trevas para sua admirável luz» (I Pedro 2, 9).

O Concílio Vaticano II faz referência explícita a estes textos da Primeira Carta de Pedro e do livro do Apocalipse, quando, ao apresentar o «sacerdócio comum», que pertence a todos os fiéis, ilustra as modalidades com as quais estes o exercem: «os fiéis, em virtude do sacerdócio real, participam na oblação da eucaristia, na oração e ação de graças, com o testemunho de uma vida santa, com a abnegação e caridade operante» (Lumen Gentium).

6. O hino do livro do Apocalipse que hoje meditamos conclui com uma aclamação final gritada por «miríades e miríades, milhares e milhares» de anjos (Cf. Apocalipse 5, 11). Refere-se ao «Cordeiro degolado», ao que se lhe atribui a mesma glória de Deus Pai, pois «digno é» «de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força» (5, 12). É o elemento da contemplação pura, do louvor gozoso, do canto de amor a Cristo em seu mistério pascal.

Esta luminosa imagem da glória celestial é antecipada na liturgia da Igreja. De fato, como recorda o Catecismo da Igreja Católica, a liturgia é «Ação» do «Cristo total» («Christus totus»). Quem aqui a celebra, vive já, em certo sentido, mais além dos sinais, na liturgia celeste, onde a celebração é inteiramente comunhão e festa. Nesta Liturgia eterna o Espírito e a Igreja nos fazem participar quando celebramos o Mistério da salvação nos sacramentos (Cf. número 1136 e 1139).
Quarta-feira, 3 de novembro de 2004