SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO
A Imaculada Conceição da Virgem Maria – é este o mistério que neste dia
celebramos. Hoje, a Virgem foi concebida no ventre de Ana, sua mãe.
Mas, que tem isso de mistério? É verdade que toda vida que brota é um
mistério; é verdade que todo feto, desde o primeiro momento de sua
existência, seja desejado ou indesejado, esperado ou vindo de surpresa,
são ou defeituoso, é já uma vida humana e, portanto, um milagre de Deus,
um sorriso de Deus, um presente de Deus, imagem de Deus – apesar dos
monstros de hoje, dessa humanidade desalmada e sem Deus, desejarem tanto
negar a dignidade da vida humana desde o seu primeiro momento...
Repitamos a pergunta: Se é assim, se cada concepção neste mundo é um
mistério, o que tem de extraordinário a concepção daquela que será a Mãe
do Cristo-Deus?
Eis o mistério, eis a novidade, eis o extraordinário: no momento mesmo
em que Ana, idosa e estéril, concebeu a Virgem Santa, ela, por ser
destinada a ser a Mãe do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo,
foi preservada da mancha do pecado original. Em outras palavras: a
Virgem Maria, desde o primeiro momento de sua existência no ventre
materno, foi preservada daquela marca negativa, daquela solidariedade no
mal, daquela situação de fechamento e desarmonia, que mancha e fere a
nossa natureza humana. Portanto, a ela, e só a ela, o Senhor pode
exclamar, com as palavras do Cântico dos Cânticos: “Como és bela, Minha amada, como és bela! És toda bela, Minha amada, e não tens um só defeito!” (4,1.7).
Que o Senhor Deus exclame assim! Que a Mãe Igreja cante assim! Que a humanidade exulte assim!
A Igreja, desde muito cedo, foi compreendendo sempre mais este mistério
da Imaculada Concepção de Nossa Senhora: ela, a Virgem, fora preservada
do pecado graças aos méritos do Cristo, que com Sua Paixão, Morte e
Ressurreição nos libertou do pecado.
Como diz São Paulo aos Romanos: “Todos pecaram e todos estão privados
da glória de Deus e são justificados gratuitamente por Sua graça, em
virtude da redenção realizada em Cristo Jesus” (3,23s). Com efeito,
sem Jesus nosso Senhor, sem a Cruz redentora que Deus já antevira
eternamente , a Virgem seria tão pecadora quanto todo o resto da
humanidade! Mas, a mesma Cruz de Cristo que nos arrancou da lama do
pecado, sequer permitiu que a Mãe do Cordeiro Imaculado pela lama do
pecado fosse tocada! Que grande providência de Deus! Que amorosa
sabedoria! Nossa Senhora, mais que todos nós, pode e deve cantar as
palavras do Profeta: “Com grande alegria rejubilo-me no Senhor, e
minha alma exultará no meu Deus, pois me revestiu de justiça e salvação,
como a noiva ornada de suas jóias!” (Is 61,10). Nossa Senhora, de sorriso escancarado, pode erguer o olhar para o Senhor e exclamar: “Eu Vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes, e não deixastes rir de mim meus inimigos!” (Sl 29,2) Em Maria começou a manifestar-se a vitória de Cristo contra o Inimigo da nossa raça humana...
Se pensarmos bem, veremos que este mistério deita suas raízes na
antiguidade, nos primórdios do sonho de Deus. A primeira leitura, do
Livro do Gênesis, nos diz que, quando toda a humanidade foi marcada pelo
pecado, pelo “não” a Deus – esse “não” no qual todos nós já nascemos e
que tantas e tantas vezes vamos dizendo e aprofundando –, o Senhor
prometeu uma inimizade entre Satanás e a Mulher, entre a descendência de
Satanás e a da Mulher: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”.
Eis, que mistério tão grande: uma queda, uma miséria, uma misericórdia,
uma inimizade, uma promessa! E, desde então, toda a história da
humanidade, todo o caminho de Israel, todo o Antigo Testamento, foram um
correr para essa promessa, um esperar por esse cumprimento tão santo!
Porque, desde o início, Deus tem um plano, e Seu plano é nos enviar o
Salvador, de modo que tudo quanto o Pai bendito pensou e sonhou para
nós, é pensando em Cristo e em função de Cristo que o fez. Escutemos o
Apóstolo: “Em Cristo, Deus nos escolheu antes da fundação do mundo,
para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o Seu olhar, no amor. Ele
nos predestinou para sermos Seus filhos adotivos por intermédio de Jesus
Cristo, conforme a decisão de Sua vontade!” Se Deus tudo pensou
para nós em Cristo, se em Cristo nos predestinou, a Igreja crê
firmemente que, desde o princípio, aquela Mulher anunciada no paraíso,
fora predestinada para ser a Mãe do que esmaga a Serpente, fora marcada
para ser a inimiga de Satanás, aquela que não tem nenhuma amizade com o
pecado, nenhuma convivência com a descendência da Serpente! E tudo isso,
por graça de Deus em Cristo!
Podemos, então, compreender o modo como Gabriel, no Evangelho, saúda
Maria. Como a chama? Não diz o seu nome “Maria”, mas chama-a com um nome
novo, aquele que somente Deus, que sonda os corações, poderia conhecer.
Escutemos o Anjo, admiremos: “Alegra-te, ó Toda Agraciada! O Senhor é contigo!”
Toda Agraciada, isto é, toda invadida, inundada pela graça, pelo favor
de Deus! Na Virgem Maria não há lugar algum para a “des-graça” do
pecado. Nela, em quem o Santo de Deus, o Cristo, o Santo Messias,
deveria habitar, não pode, não pôde, não poderá nunca haver lugar para o
pecado! Desde o primeiro momento de sua existência, a Virgem foi
escolhida e predestinada para a Mãe do Salvador. Não esqueçamos a
palavra da Escritura: “Em Cristo, Ele nos escolheu antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o Seu olhar, no amor.” É este mistério que celebramos!
Se Cristo é o Dia, a Virgem é a Aurora;
se Ele é o Sol, ela é a Estrela d’Alva;
se Ele é o Fruto, ela é a Flor bendita!
Como é bela a Solenidade deste hoje: é aurora do santo Natal! Aquele que
ilumina a noite de Belém e do mundo é prenunciado pela luminosidade da
Virgem Imaculada!
Caríssimos, vivemos num mundo cada vez mais sem graça, um mundo
literalmente “des-graçado”, isso, é fechado para a graça. Pois bem:
nesta realidade sem graça, celebrar a Imaculada Conceição da Mãe de Deus
é proclamar a vitória da graça sobre o pecado, é renovar nossa certeza
na força que vem da Cruz e Ressurreição do Senhor, que dissipa as trevas
e vence o mal.
Ó Maria Santíssima, Virgem imaculada desde a Conceição,
intercede por nós, intercede por toda a Igreja, intercede pela humanidade:
que lutemos contra o pecado, do qual tu foste preservada desde o primeiro momento de tua existência!
Que a força do Cristo Salvador, que não deixou o pecado te atingir, não deixe que o pecado nos vença!
Ó Alegria do mundo, Estrela d’Alva,
nenhuma outra como tu nos guia!
És o braço do Deus Forte que nos salva,
Virgem Maria!
És um Raio de luz lançado à treva,
para aquecer a terra fria!
Imensa Aurora, a Vida em vós se encerra,
Virgem Maria!
Só o trono de Deus é mais sublime,
que o teu trono, à luz do eterno Dia!
Ó Santa Mãe da Paz que nos redime,
Virgem Maria!
Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!
Dom Henrique Soares da Costa