Salmo 125(126)

Deus, alegria e esperança nossa

1. Ao escutar as palavras do Salmo 125 dá a impressão de ver como se desenvolve ante os olhos o acontecimento que se canta na segunda parte do Livro de Isaías: o «novo êxodo». É o regresso de Israel do exílio de Babilônia à terra dos pais, após o edito do rei persa Ciro, no ano 538 a.C. Então se repete a experiência gozosa do primeiro êxodo, quando o povo judeu foi libertado da escravidão de Egito.

Este salmo assumia um significado particular quando se cantava nos dias nos quais Israel se sentia ameaçado e experimentava o medo, pois estava submetido de novo à prova. O salmo inclui, de fato, uma oração pelo regresso dos prisioneiros desse momento (Cf. versículo 4). Deste modo, se convertia em uma oração do povo de Deus em seu itinerário histórico, cheio de perigos e provas, mas sempre aberto à confiança em Deus, salvador e libertador, apoio dos fracos e dos oprimidos.

2.O salmo introduz em uma atmosfera de júbilo: há sorrisos, festa, pela liberdade conseguida, dos lábios saem cantos de alegria (cf. versículos 1-2).

A reação ante a liberdade recuperada é dupla. Por um lado, as nações pagãs reconhecem a grandeza do Deus de Israel: «O Senhor foi grande com eles» (versículo 2). A salvação do povo eleito se converte em uma prova límpida da existência eficaz e poderosa de Deus, presente e ativo na história. Por outro lado, o povo de Deus professa sua fé no Senhor que salva: «O Senhor foi grande conosco» (versículo 3).

3. O pensamento se dirige depois ao passado, revivido com um calafrio de medo e amargura. Queremos prestar atenção à imagem agrícola que utiliza o salmista: «Os que semeavam com lágrimas colheram entre cantos» (versículo 5). Sob o peso do trabalho, as vezes o rosto se rega de lágrimas: semeia-se com uma fadiga que poderia acabar talvez na inutilidade e no fracasso. Mas quando chega a colheita abundante e gozosa, se descobre que essa dor foi fecunda.

Neste versículo do salmo se condensa a grande lição sobre o mistério de fecundidade e de vida que pode albergar o sofrimento. Precisamente, como havia dito Jesus nos umbrais de sua paixão e morte: «se o grão de trigo não cai em terra e morre, fica infecundo; mas se morre, dá muito fruto» (João 12, 24).

4. O horizonte do salmo se abre deste modo à festiva colheita, símbolo da alegria produzida pela liberdade, pela paz e a prosperidade, que são fruto da benção divina. Esta oração é, então, um canto de esperança, ao que se pode recorrer quando se está submergido no momento da prova, do medo, da ameaça exterior e da opressão interior. Mas pode converter-se também em um chamado mais geral a viver os próprios dias e a cumprir as próprias opções em um clima de fidelidade. A esperança no bem, ainda que seja incompreendida e suscite oposição, ao final chega sempre a nossa meta de luz, de fecundidade, de paz.

É o que recordava são Paulo aos Gálatas: «O que semeia no espírito, do espírito colherá vida eterna. Não nos cansemos de fazer o bem, que a seu tempo nos virá a colheita, se não desfalecemos» (Gálatas 6, 8-9).

5. Concluamos com uma reflexão de S. Beda o Venerável (672/3-735) sobre o salmo 125 na qual comenta as palavras com as quais Jesus anunciava a seus discípulos a tristeza que lhe esperava e ao mesmo tempo a alegria que surgiria de sua aflição (Cf. João 16, 20).

Beda recorda que «choravam e se lamentavam os que amavam a Cristo quando lhe viram aprisionado pelos inimigos, atado, levado a juízo, condenado, flagelado, ridicularizado, por último crucificado, atravessado pela lança e sepultado. Alegravam-se contudo os que amavam ao mundo..., quando condenavam a uma morte vergonhosa a quem lhes era molesto só em ver-lhe. Entristeceram-se os discípulos pela morte do Senhor, mas, ao receber notícia de sua ressurreição, sua tristeza se converteu em alegria, ao ver depois o prodígio da ascensão, com uma alegria ainda maior louvavam e abençoavam ao Senhor, como testemunho o evangelista Lucas (Cf. Lucas 24, 53).

Mas estas palavras do Senhor se adaptam a todos os fiéis que, através das lágrimas e as aflições do mundo, tratam de chegar às alegrias eternas e que, com razão, agora choram e estão tristes, pois não podem ver ainda ao que amam e, porque enquanto estão no corpo, sabem que estão longe da pátria e do reino, ainda que estejam seguros de chegar através dos cansaços e das lutas ao prêmio. Sua tristeza se converterá em alegria quando, terminada a luta desta vida, recebam a recompensa da vida eterna, segundo diz o salmo: “Os que semeavam com lágrimas colheram entre cantos”» («Homilias sobre o Evangelho» -- «Omelie sul Vangelo», 2, 13: Coleção de Textos Patrísticos, XC, Roma 1990, pp. 379-380).

Quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Salmo 126(127)

O esforço humano é inútil sem Deus

1. O Salmo 126 apresenta ante nossos olhos um espetáculo em movimento: uma casa em construção, a cidade com seus guardas, a vida das famílias, as velas noturnas, o trabalho cotidiano, os pequenos e grandes segredos da existência. Mas por cima de tudo encontra-se uma presença decisiva, a do Senhor sobre as obras do homem, como sugere o incisivo início do Salmo: «Se o Senhor não constrói a casa, em vão se cansam os construtores» (v.1).

Uma sociedade sólida nasce, certamente, do compromisso de todos seus membros, mas tem necessidade da benção e do apoio desse Deus que, infelizmente, com freqüência está excluído ou é ignorado. O livro dos Provérbios sublinha a primazia da ação divina para o bem-estar de uma comunidade e o faz de maneira radical afirmando que «A benção do Senhor é a que enriquece, e nada lhe acrescenta o trabalho» (Provérbios 10, 22).

2. Este salmo sapiencial, fruto da meditação sobre a realidade da vida de cada dia, constrói-se fundamentalmente baseando-se em um contraste: sem o Senhor, em vão se tenta construir uma casa estável, edificar uma cidade segura, fazer que dê fruto o próprio cansaço (Cf. Salmo 126, 1-2). Contudo, com o Senhor tem-se a prosperidade e fecundidade, uma família cheia de filhos e serena, uma cidade bem construída e defendida, livre de pesadelos e inseguranças (Cf. versículos 3-5).

O texto começa apresentando o Senhor como construtor da casa e sentinela que vela pela cidade (Cf Salmo 120, 1-8). O homem sai de manhã para empenhar-se no trabalho para o sustento da família e para o serviço do desenvolvimento da sociedade. É um trabalho que ocupa suas energias, provocando o suor de sua fronte (Cf. Gêneses 3,19) durante o transcurso da jornada (Cf. Salmo 126,2).

3. Pois bem, o salmista não hesita em afirmar que todo este trabalho é inútil, se Deus não está ao lado de quem se esforça. Pelo contrário, afirma que Deus premia inclusive o sonho de seus amigos. O salmista quer exaltar deste modo a primazia da graça divina, que dá consistência e valor à ação humana, apesar de que se caracteriza pelas limitações e a caducidade. No abandono sereno e fiel de nossa liberdade no Senhor, nossas obras se fazem sólidas, capazes de dar um fruto permanente. Nosso «sonho» converte-se deste modo em descanso abençoado por Deus, destinado a selar uma atividade que tem sentido e consistência.

4. Nesse momento, passa-se a outra cena descrita por nosso salmo. O Senhor oferece o dom dos filhos, vistos como uma benção e uma graça, sinal da vida que continua e da história da salvação orientada para novas etapas (Cf. versículo 3). O salmista exalta em particular «os filhos da juventude»: o pai que teve filhos em sua juventude não só os verá em todo seu vigor, mas também serão seu apoio na velhice. Poderá enfrentar deste modo com segurança o futuro, como um guerreiro, armado dessas «flechas» de pontas agudas e vitoriosas que são os filhos (Cf. versículos 4-5).

A imagem, tomada da cultura da época, tem o objetivo de celebrar a segurança, a estabilidade, a força de uma família numerosa, como se repetirá no sucessivo Salmo 127, no qual se faz um retrato de uma família feliz.

A imagem final representa um pai rodeado de seus filhos, que é acolhido com respeito na porta da cidade, sede da vida pública. A procriação é, portanto, um dom portador de vida e de bem-estar para a sociedade. Ante algumas nações, somos conscientes hoje em dia de que a queda demográfica despoja da frescura, da energia, do futuro encarnado nos filhos. Contudo, sobretudo se ergue a presença de Deus que abençoa, manancial de vida e de esperança.

5. O Salmo 126 foi utilizado pelos autores espirituais precisamente para exaltar esta presença divina, decisiva para proceder pelo caminho do bem e do Reino de Deus. Deste modo, o monge Isaías (falecido em Gaza, no ano 491), em sua «Asceticon» («Logos» 4, 118), recordando o exemplo dos antigos patriarcas e profetas, ensina: «Puseram-se sob a proteção de Deus implorando sua assistência, sem pôr sua confiança nos cansaços realizados. E a proteção de Deus foi para eles uma cidade fortificada, pois sabiam que sem a ajuda de Deus eram impotentes e sua humildade lhes fazia dizer com o salmista: “Se o Senhor não constrói a casa, em vão se cansam os construtores; se o Senhor não guarda a cidade, em vão vigiam as sentinelas”» («Recueil ascétique», Abbaye de Bellefontaine 1976, pp. 74-75).

Quarta-feira, 31 de agosto de 2005

Cl 1,12-20

Hino à Cristo

1. No passado já nos detivemos a meditar na grandiosa novidade de Cristo, Senhor do universo e da história, que apresenta o hino do início da carta de São Paulo aos Colossenses. Este cântico, de fato, salpica as quatro semanas nas quais se articula a Liturgia das Vésperas.

O coração do hino é constituído pelos versículos 15-20, nos quais aparece de maneira direta e solene Cristo, definido como «imagem» do «Deus invisível» (versículo 15). O apóstolo preferia o grego «eikon», «ícone»: em suas cartas o utiliza várias vezes, aplicando-o tanto a Cristo, ícone perfeito de Deus (Cf. 2 Coríntios 4, 4), como ao homem, imagem e glória de Deus (Cf. 1 Coríntios 11, 7). Contudo, este, com o pecado, «trocou a glória de Deus incorruptível por uma representação em forma de homem corruptível» (Romanos 1, 23), optando por adorar os ídolos e convertendo-se semelhante a eles.

Por isso, temos de modelar continuamente nossa imagem sobre a do Filho de Deus (Cf. 2 Corintios 3, 18), pois «Ele nos tirou do domínio das trevas», «transladou-nos ao reino de seu Filho querido» (Colossenses 1, 13).

2. Depois, Cristo é proclamado como «primogênito (engendrado antes) de toda criatura» (versículo 15). Cristo é anterior a toda criação (Cf. versículo 17), tendo sido engendrado desde a eternidade: pois «por meio dele foram criadas todas as coisas» (versículo 16). Também na antiga tradição judaica se afirmava que «todo o mundo foi criado por causa do Messias» (Sanhedrin 98b).

Para o apostolo, Cristo é tanto o princípio como a coesão («tudo se mantém nele»), o mediador («por meio dele»), como o destino final ao qual converge todo o criado. Ele é «o primogênito entre muitos irmãos» (Romanos 8, 29), ou seja, é o Filho por excelência na grande família dos filhos de Deus, da qual se passa a fazer parte pelo Batismo.

3. Ao chegar a este momento, o olhar passa do mundo da criação ao da história: Cristo é «a cabeça do corpo; da Igreja» (Colossenses 1, 18) e já o é através de sua Encarnação. De fato, Ele entrou na comunidade humana para regê-la e uni-la em um «corpo», ou seja, uma comunidade harmoniosa e fecunda. A convivência e o crescimento da humanidade têm sua raiz, seu fulcro vital, «o princípio», em Cristo.

Precisamente com esta primazia Cristo pode converter-se no princípio da ressurreição de todos, o «primogênito dentre os mortos», para que «todos revivam em Cristo... Cristo como primícias; logo os de Cristo em sua vinda» (1 Cortíntios 15, 22-23).

4. O hino se encaminha para sua conclusão celebrando a «plenitude», em grego «pleroma», que Cristo tem em si como dom de amor do Pai. É a plenitude da divindade que se irradia, seja no universo, seja na humanidade, convertendo-se em manancial de paz, de unidade, de harmonia perfeita (Colossenses 1, 19-20).

Esta «reconciliação» e «pacificação» é atuada através do «sangue de sua cruz», pelo qual fomos justificados e santificados. Ao derramar seu sangue e entregar-se a si mesmo, Cristo difundiu a paz que, na linguagem bíblica, é síntese dos bens messiânicos e plenitude salvífica estendida a toda a realidade criada.

O hino conclui, portanto, com um horizonte luminoso de reconciliação, de unidade, de harmonia e paz, sobre o que se levanta solenemente a figura de seu artífice, Cristo, «Filho querido» do Pai.

5. Sobre este denso hino refletiram os escritores da antiga tradição cristã. São Cirilo de Jerusalém, em seu diálogo, cita o cântico da Carta aos Colossenses para responder a um anônimo, interlocutor que havia lhe perguntado: «Dizemos, então, que o Verbo engendrado por Deus sofreu por nós em sua carne?». A resposta, seguindo as pegadas do cântico, é afirmativa. De fato, afirma Cirilo, «a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criatura, visível e invisível, pelo qual e no qual existe tudo, foi dado --diz Paulo-- como cabeça à Igreja: Ele é, além disso, o primogênito dentre os mortos», ou seja, o primeiro da série dos mortos que ressuscitam. Ele, segue dizendo Cirilo, «assumiu tudo o que é próprio da carne do homem e “sofreu a cruz, depreciando sua ignomínia” (Hebreus 12, 2). Nós não dizemos que um simples homem, cheio de honra ou não sei como, por sua união a Ele tenha sido sacrificado por nós, mas que o próprio Senhor da glória que foi crucificado» («Porque Cristo é um» --«Perché Cristo è uno»--: Coleção de Textos Patrísticos, XXXVII, Roma 1983, p. 101).

Diante do Senhor da glória, sinal do amor supremo do Pai, também nós elevamos nosso canto de louvor e nos prostramos para adorá-lo e dar-lhe graças.

Quarta-feira, 7 de setembro de 2005